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Terra à vista!

Primavera na Bélgica: a floresta que fica azul e une um país dividido

Felipe van Deursen

16/04/2019 05h00

(foto: iStock)

50º42'N, 4º17'L
Hallerbos
Brabante Flamengo e Brabante Valão, Bélgica

Diferentemente do futebol, tapeçaria é uma arte em que os belgas não são emergentes. Pelo contrário, estão entre as escolas mais tradicionais do planeta. Nos séculos 16 e 17, Flandres, a região que hoje corresponde à parte holandesa da Bélgica, era o grande polo irradiador de tapetes na Europa. Algumas dessas peças centenárias fazem parte hoje de grandes museus do continente, como o KHM, de Viena, e os Museus do Vaticano.

Mas a Bélgica também tem tapetes que não duram quase nada e encantam mesmo assim. Essa semana marcou o auge da floração da Hallerbos, floresta que, no início da primavera europeia, ganha um visual meio mágico ao gerar enormes tapetes de flores azuladas. Como se fosse conto de fadas ambientado em Pandora, o planeta de Avatar.

As florzinhas (Hyacinthoides non-scripta) são conhecidas como sinos-azuis. Elas florescem debaixo de copas recém-formadas, ou seja, quando as árvores, secas no inverno, ganham novas folhas na estação seguinte. Dessa luta por luz em um espaço onde semanas antes quase não havia sombra surge o cenário surreal.

(foto: iStock)

Hallerbos é um bosque antigo, com sequoias gigantes, que integrava a histórica Floresta Carbonária. Essa grande floresta, que passava pelas atuais Bélgica e França, servia de referência para estradas romanas e também marcava uma fronteira natural entre povos francos e germânicos.

No século 7, Waudru era a esposa de um conde que largou tudo para viver em uma abadia. Mãe de quatro filhos, ela também mudou de vida, tornou-se freira e construiu o próprio convento, que, em 686, incorporou a área da floresta. A cidade de Mons cresceu ao redor do convento, Waudru foi canonizada, mas a localização do bosque, um tanto distante, ainda mais em tempos de Alta Idade Média, complicava a administração.

(foto: iStock)

Assim, no século 13, os lordes de Bruxelas, o conde de Hainaut e o castelão de Bruxelas assumiram o controle de Hallerbos. Essa divisão equalitária de três terços passaria por outras mãos ao longo do tempo, mas não houve maiores contratempos durante mais de 500 anos.

Até que a Revolução Francesa veio para colocar a Europa de cabeça para baixo (pois é isso que revoluções, as de verdade, fazem). O país que hoje conhecemos como Bélgica pertencia à Áustria dos Habsburgo. Mas os franceses invadiram o território em 1794 e confiscaram propriedades da Igreja, incluindo Hallerbos.

O domínio francês não durou muito. Em 1815, Napoleão foi derrotado a cerca de míseros 10 km da floresta, na Batalha de Waterloo. A Bélgica foi anexada pela Holanda, para finalmente se tornar um Estado independente 15 anos depois, em 1830.

(foto: iStock)

Nisso, Hallerbos foi mudando de dono. O que não fez muita diferença quando a Bélgica foi, de novo, o campo de batalha da Europa. Na Primeira Guerra Mundial, os alemães invadiram o país e puseram abaixo praticamente a floresta inteira. A região foi reflorestada entre 1930 e 1950 e, felizmente, sobreviveu a mais uma invasão alemã: as batalhas entre nazistas e Aliados se concentraram mais ao leste.

Hallerbos pode não ser mais uma fronteira natural entre francos e germânicos, mas sua localização evidencia esse passado. A maior parte fica sob administração de Flandres, e outra com a Valônia, a região francesa do país. A floresta azul fica bem no meio das regiões cujas tretas vez ou outra ameaçam a integridade política da Bélgica, justo o país que, ironicamente, é o centro da combalida União Europeia.

Vá saber como estará a União Europeia na próxima vez em que Hallerbos ficar azul…

Ps.: para a galerinha do Instagram: ensaios profissionais, com ou sem modelos, sejam eles influenciadores ou não, precisam ser requisitados com antecedência. E o uso de drones é proibido.

Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.