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Terra à vista!

O maior dingobel do mundo: Natal nas Filipinas dura quatro meses

Felipe van Deursen

21/12/2019 12h08

Luzes de Natal em Manila (Crédito: Getty Images)

14º37'N, 120º59'L
La Loma
Cidade Quezon, Região Metropolitana de Manila, Filipinas

Já é Natal nas Filipinas! Não é frase daquele tio que gosta de geografia e faz piada com fuso horário. Nem manchete de jornal de variedades da TV.

Já é Natal nas Filipinas mesmo, e faz tempo. Desde setembro, o maior país católico do Oriente comemora a data com festas, paradas nas ruas e outros eventos no calendário.

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Se você é desses que fazem cara feia para decoração natalina já em outubro, antes mesmo de Finados, não vá para Manila nos quatro últimos meses do ano. A capital filipina se enche de luzinhas. Hotéis ganham decorações luxuosas, músicos e artistas reforçam o clima na rua, igrejas recriam a Natividade em presépios em tamanho real, casas se esmeram nos enfeites.

Enfeites natalinos em Manila são um assunto sério (foto: flickr)

O catolicismo tem papel central na sociedade filipina. A população é 90% cristã, sendo 77% católica. Mas não é só por isso que o país celebra o Natal com tanta veemência. Por ser uma festa tradicionalmente familiar, ele é também uma desculpa para reencontrar aqueles que vêm de longe. Muito longe.

Oficialmente, 2,3 milhões de filipinos vivem e trabalham fora do país. Muitos visitam a terrinha no Natal. Nos anos 1990, eles até ganharam uma música, que virou clássico em listas de fim de ano. "Sa Araw Ng Pasko" ("No dia de Natal", em filipino) fala da saudade de casa durante essa época. No YouTube há um monte de versões.

Para mães, pais, filhos e filhas, os quatro últimos meses do ano (os "bros") servem para todos se prepararem para o reencontro familiar no fim do ano. Essa temporada é a confluência dos pilares da cultura filipina. É a celebração da família e da fé, festa e comida, amigos e diversão.

Apesar do consumismo de ratos de shopping ter crescido nos últimos tempos, as tradições natalinas seguem firmes e não se opõem à gastança. "A Igreja serve para lembrar as pessoas e liberá-las do pensamento escravizante de que Natal é principalmente presentes e festas", explica Flavie Villanueva, padre do Santuário Nacional do Sagrado Coração, em Manila, em uma reportagem da NPR. Para eles, tudo bem gastar muito em presentes, mas o que importa mesmo é a reunião familiar.

Vila filipina decorada para o Natal (Crédito: Getty Images)

O presidente do país, Rodrigo Duterte, o mais falastrão e polêmico chefe de Estado do mundo (sendo que vivemos uma época peculiar, com uma longa lista de líderes globais e regionais que defecam pela boca), disse que a Igreja vai acabar em 25 anos no país. Ele já se referiu aos bispos filipinos como tolos inúteis e fdps e incitou os cidadãos a matarem padres. Pois é.

Mas, querendo Duterte ou não, a Simbang Gabi, a Missa do Galo, ainda é um evento bastante popular. Mesmo não sendo um programa para qualquer um.

Nas Filipinas, a Missa do Galo é, na verdade, uma novena de missas realizadas entre os dias 16 e 24 de dezembro, sempre de madrugada. Ainda assim, milhões de pessoas levantam antes do sol para acompanhar as procissões.

Além da Missa do Galo, outra presença essencial nas festas filipinas é o leitão assado. La Loma, em Cidade Quezon, é a capital do país quando o assunto é esse. Fileiras de leitões espetados em bambus se espalham nas calçadas dessa cidade da região metropolitana de Manila.

O MAIOR PAÍS CRISTÃO DO ORIENTE

O cristianismo chegou às ilhas de carona na esquadra de Fernão de Magalhães, em 1521. Magalhães morreu ali mesmo, pouco depois, sem testemunhar a conclusão da volta ao globo terrestre de sua empreitada.

O sangue de Cristo teve poder no arquipélago. No fim do século, os espanhóis fundaram a colônia, que ganhou um nome pouco criativo, mas que vingou, em homenagem ao rei Filipe 2º.

Os filipinos se libertaram dos espanhóis só em 1898, e sem conquistar, de fato, a independência. Passaram das mãos da Espanha para as dos Estados Unidos, que derrotaram o decadente império em uma guerra. Só em 1946 o país se libertou de fato.

Tanto tempo sob potências ocidentais explica como as Filipinas são o terceiro maior país católico do mundo, mesmo ficando na Ásia. Diferentemente dos dois maiores da categoria, Brasil e México, lá a religião não perdeu fiéis nas últimas décadas.

Vai ver o segredo é a saudade dos filhos que emigraram e os leitões de Quezon.

Feliz Natal.

Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.