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Fogo no "año viejo": o Réveillon nerd, pirotécnico e lisérgico do Equador

Felipe van Deursen

29/12/2019 04h00

Manequins para venda para a gravação de ano novo em Guayaquil, no Equador (Crédito: Getty Images)

0º13'S, 78º30'O
Quito
Pichincha, Equador

O Homer só de cueca e umbigão de fora já confirmou. Papai Smurf e grande elenco também. Chaves dentro do barril e Bob Esponja disfarçado no alter-ego Invencibolha. Peppa Pig, Mickey e Rafael (as outras Tartarugas Ninjas também devem aparecer), Capitão América, Pantera Cor-de-Rosa e o Pato do Pocoyo, Minions, Bart e Seu Madruga, Mario, Ursinho Puff e Colossus (mas cadê o resto dos X-Men?), Elsa, Predador e Homem-Aranha, Garfield, Sid da Era do Gelo e Gohan, Olaf, Pikachu e Chucky, Alegria e Nojinho de Divertida Mente, Donkey Kong, Homem de Ferro e Po, o panda lutador. Sonic, Woody e Lion dos Thundercats (hoooo), Marge, Minnie e Lanterna Verde e até o orc Thrall, o quadrúmano Goro e o pedaço de carne invocado Meat Boy.

Donatello acabou de confirmar. E Michelangelo.

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E ainda tem a ala "Megazord". Tome versões everésticas de Thor, Duende Verde, Batman e todo o time de aliens de Space Jam, Sideshow Bob, Shrek, Inspetor Bugiganga, Sully e Mike Wazowski, Johnny Bravo, Freddy Krueger, Arnold, Esqueleto, Optimus Prime, dos mascarados da Casa de Papel e até de Gene Simmons, o grão-mestre mascarado do rock. Agora vai.

Imagine um Ano Novo com todos eles. Mas em versões nem sempre hiperrealistas e fiéis ao original. Em vez disso, representações muitas vezes lisérgicas, como se um trenzinho da alegria encontrasse um bando de cosplayers loucos de corote no fim de um bloco de Carnaval em frente a um muro de escola pintado de Mônicas deformadas.

Cansou do branco e quer um Réveillon colorido assim? Vá para o Equador.

(Crédito: Getty Images)

Año viejo é o nome dado a bonecos queimados no Réveillon para representar o fim do ano que passou. Com papel machê, papelão, cartolina, palha, lascas de madeira e outros materiais pirotécnicos de baixo orçamento, a prática é disseminada pela América Latina, mas em nenhum país ela é popular em todo o território como no Equador.

Lá, o costume desabrochou ao longo do século 18, como um conjunto de ritos burlescos que misturou tradições andinas e ibéricas. Na Espanha imperial e na América pré-colombina, era comum atear fogo em bonecos. Na Serra Norte, região dos Andes onde fica a capital, Quito, arqueólogos descobriram restos de figuras de animais e de frutas queimadas em datas festivas, como o Inti Raymi, o solstício de inverno.

No começo do século 20, os equatorianos passaram a investir mais na cenografia e em retratar mais personalidades do imaginário local, em vez das figuras velhas, gordas e sem identidade própria de sempre. Entre os dias 28 de dezembro e 6 de janeiro, o povo fantasiado, acompanhado dos bonecos, passou a se concentrar nas praças de Quito e outras cidades.

Nos idos dos anos 1950, a festa ganhou contornos de quermesse, com uma penca de comidinhas de rua, bandas e gincanas para moleques de 6 a 60 anos. Na década de 1970, surgiram os concursos e exposições, e aí a confecção dos bonecos atingiu novos níveis de grandiosidade, segundo o jornal equatoriano El Telégrafo.

Em Guayaquil, onde a tradição dos años viejos gigantes é forte, a criatividade é essencial. Um Mazinger Z – robô gigante de um mangá e anime dos anos 1970 que ganhou versão em filme em 2018 – ganhou o primeiro concurso da Empresa Pública de Turismo local. O robozão tinha 14,5 m de altura e foi confeccionado com pranchas de PVC, ferro, fibra de vidro e papelão.

O autor, Boris Cajas, 33 anos, contou ao jornal El Universo que investiu US$ 1, 5 mil na obra. Como prêmio, ele embolsou US$ 4 mil. No mesmo concurso, outros años viejos premiados foram os de La Tremenda Corte (programa de rádio cubano de enorme sucesso na América Latina entre os anos 1940 e 60), o genocida da Marvel Thanos, recriações dos filmes Coco e Jurassic World e até do quadro A Noite Estrelada, de Van Gogh.

Concursos à parte, o grande momento da festa sempre foi o mesmo: fazer os bonecos arderem em chamas. É um rito, o encerramento de um ciclo, para que o próximo seja melhor. Em anos mais conflituosos e problemáticos, queimam-se mais bonecos, explica María Belén Calvache, coautora de um livro sobre o assunto, ao Telégrafo. "As pessoas estão mais desesperadas com a situação da economia, da política, então há mais años viejos", diz.

Além da queima de personagens, outro fenômeno característico do Ano Novo equatoriano são as viúvas, homens vestidos de mulher que pedem caridade na rua para enterrar seus "maridos", que são os bonecos propriamente ditos.

Muitos años viejos são máscaras tradicionais que representam as próprias famílias que os confeccionam. Mas o que tem feito a fama são mesmo as cada vez mais populares representações de políticos, heróis e personagens de animações.

Quem já testemunhou a virada do ano, com as piras acesas na noite escura, diz que o espetáculo é fantástico. Famílias dançam e se abraçam, e aqueles que desejam uma dose maior de sorte no ano que se inicia saltam 12 vezes as fogueiras.

Divirta-se com as fotos.

Nos vemos em 2020.

E queime, 2019, queime.

(Crédito: Getty Images)

(Crédito: Getty Images)

(Crédito: Getty Images)

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Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.