Batizada em homenagem a mineral que pode matar, cidade vai mudar de nome
45º46'N, 71º56'O
Asbestos
Quebec, Canadá
Asbestos, em Quebec, tem 7 mil habitantes e uma questão para resolver com seu próprio passado. É possível uma cidade carregar no nome um mineral altamente perigoso, banido em 67 países? Para a prefeitura local, não mais.
Em 2019, um referendo para mudar o nome da cidade foi aprovado. Das cerca de mil sugestões propostas, quatro são finalistas: Phénix (em referência à ave mitológica que renasce no fogo), Apalone (um gênero de tartarugas da América do Norte), Trois-Lacs ("três lagos", em francês – homenagem a uma localidade das redondezas) ou Jeffrey (nome da mina de onde se extraiu amianto por décadas).
Asbesto, conhecido no Brasil como amianto, é a denominação comercial de uma família de minérios usada largamente na indústria no século passado. Gerações associaram o amianto a telhas onduladas acinzentadas e a caixas d'água, mas o material também foi usado para a fabricação de freios e embreagens e na produção de filtros, papel e isolantes térmicos.
No começo do século 20 já começaram a surgir as primeiras mortes documentadas causadas por amianto. Em geral eram mineiros que, após anos de trabalho pesado, tinham os pulmões cheios de traços de asbesto. Em 1924, surgiu o primeiro diagnóstico de asbestose. O pó do amianto contém fibras que, quando inaladas, se fixam no pulmão, deixando cicatrizes que comprometem o órgão. A OMS também incluiu o amianto na lista das principais substâncias cancerígenas.
Diversas leis surgiram ao longo das décadas para controlar ou banir o uso de amianto. No Brasil, ele é proibido em todo o território desde 2017.
ASBESTOS, O MUNICÍPIO
A cidade de Asbestos não ganhou tal nome porque um coronel local gostava dessa palavra (que vem do grego e significa "indestrutível" ou "inextinguível"). Não foi uma excentricidade à toa.
Jeffrey era, até outro dia – ou melhor, até 2011, quando encerrou as operações após 130 anos – a maior mina de extração de amianto do mundo. A maior empregadora, a maior fonte de renda da cidade. O coração de Asbestos.
Exemplos de lugares batizados em homenagem a seus grandes produtos existem às baciadas. No Brasil, as mineiras Ouro Preto e Diamantina são os clássicos da lista, mas ainda tem a maranhense Açailândia e a paulista Alumínio.
"Ah, mas quero ver lugar com nome de substância mortal, poluente etc." Existe uma Tabaco nas Filipinas. Os Estados Unidos têm a cidade do petróleo (Oil City, Pensilvânia) e a do carvão (Coal City, Illinois). E a Rússia também tem a sua Asbest.
Por isso, a proposta de mudar o nome da cidade divide a população, já que é muito difícil dissociar o município do produto. Asbestos não existiria hoje, pelo menos não do jeito que é, se não fosse a mina.
Mas é preciso manter um nome com conotação negativa (talvez ainda mais explícita que petróleo, carvão ou até tabaco)? Após décadas de estudos comprovados e tantas mortes causadas pelo amianto? Eis o questionamento. Além disso, a carga pesada do nome "Asbestos" até afastou investidores recentemente, alega a prefeitura.
Asbestos é uma cidade quase totalmente francófona de Quebec, a única das dez províncias canadenses onde o francês é a língua oficial, além de Nova Brunswick, em que o francês divide o posto com o inglês. Em francês, a palavra para o polêmico material tem a mesma origem grega que em português: "amiante" (puro, sem mácula). Logo, alguns habitantes não viam problema em manter o nome do município, já que a ligação não seria tão direta. Afinal, para a população, amiante é o minério, Asbestos é a cidade.
Esse argumento, aliás, foi usado muitas vezes em outras tentativas de mudança. Só que dessa vez não colou.
Jeffrey, a meu ver, seria uma opção para quem deseja manter a referência histórica da cidade, mas sem a relação escancarada com o amianto. O problema, para alguns, é mudar para um nome inglês em uma cidade que fala francês. Que seja Trois-Lacs então, um pedacinho bucólico de natureza local. Pode ter boas chances. Entre os dias 14 e 18, os moradores de Asbestos poderão votar e decidir.
ASBESTOS E O CANADÁ
A mina tem uma grande importância para a história política de Quebec e do Canadá. Em 1949, os mineiros entraram em greve, pedindo, entre outras melhorias trabalhistas, proteção a doenças causadas pelo amianto. Após um mês de paralisação e sem chegar a acordo algum, a chapa esquentou, alguns grevistas partiram para a violência, a polícia desceu o cassetete e a repressão chamou a atenção para além da província. Até a conservadora Igreja Católica de Quebec passou a apoiar os mineiros.
As partes chegaram a um acordo em julho daquele ano. Para os trabalhadores, os ganhos foram poucos. Muitos não foram recontratados e a insalubridade permaneceu alta (em 1974, as minas de Quebec foram consideradas as mais perigosas do mundo).
Mas a Greve de Asbestos seria marcante para a Revolução Tranquila, época de grandes transformações em Quebec nos anos 1960, como a secularização da sociedade, a criação de um estado de bem-estar social e investimentos fartos em educação.
A greve também teve impacto entre intelectuais, em especial os três amigos Jean Marchand, Gérard Pelletier e Pierre Trudeau, críticos do movimento separatista de Quebec e que se lançaram na política após os eventos de Asbestos. Os três teriam projeção nacional, especialmente Pierre, que foi primeiro-ministro do Canadá entre 1968 e 1979 e de 1980 a 1984. Desde 2015, quem ocupa o cargo é seu filho mais velho, o midiático Justin Trudeau.
A pequena Asbestos mudará de nome, mas os efeitos de suas minas continuarão reverberando nos pulmões e no coração dos canadenses. Para o bem e para o mal.
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