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O aquecimento global e a pesca predatória estão afundando ilhas na Índia

Felipe van Deursen

06/12/2020 04h00

(Crédito: iStock)

8º50'N, 78º12'L
Ilha Vhan
Thoothukudi, Tamil Nadu, Índia

O épico sânscrito Ramayana descreve a jornada de Rama, uma das grandes divindades do hinduísmo. A narrativa diz que Rama construiu uma ponte com a ajuda de Hanuman para chegar à ilha fortificada de Lanka e resgatar sua esposa, Sita, das mãos de Ravana.

Apesar do nome, não há consenso entre estudiosos se a mítica Lanka é, de fato, a ilha de Sri Lanka. Mas, na Índia, um templo dedicado a Shiva e associado a Rama foi erguido em Rameswaran, na ilha de Pamban, o ponto mais próximo do país vizinho. A cidade recebe anualmente cerca 1,4 milhão de peregrinos.

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Uma cadeia de bancos de areia e material calcário se estende por 48 km de Pamban até Mannar, no Sri Lanka. Ela é chamada de Ponte de Rama ou Ponte de Adão, já que, segundo uma lenda islâmica, o primeiro homem teria usado a ponte para chegar ao Pico de Adão (montanha que já foi assunto aqui no Terra à Vista).

Deu para ver que a região tem grande importância cultural. Mas a natureza não fica atrás, pelo contrário. A Reserva de Biosfera Marinha do Golfo de Mannar preserva a maior biodiversidade da costa indiana. São 2,2 mil espécies de peixes, 106 de crustáceos e mais de 400 de moluscos, além de mamíferos como o boto-do-índico, o roaz-do-índico e a jubarte.

Além dos bichos, tem os humanos. Muitos deles (pois, Índia). Cerca de 150 mil pescadores trabalham na região, que, nas últimas décadas vem sofrendo com a poluição, o aquecimento global e os excessos da exploração comercial. Tanto que algumas ilhas estão afundando. Literalmente.

(Crédito: iStock)

Uma delas, Vhan, sempre serviu de refúgio para pescadores escapando de tempestades. Em 1973, ela tinha 26,5 hectares de área. Em 2016, eram apenas 4,1 ha, divididos em dois pedaços, pois a ilha se fragmentou. No mesmo ano, o Golfo de Mannar perdeu 16% de seus corais. Pesquisadores estimavam que até 2022 a ilha desaparecerá. (Como sempre, aqui no blog, o mapa no fim do texto mostra o lugar em questão, corre lá.)

Pesca predatória, aumento do nível dos mares, mudanças climáticas e mineração marinha são a combinação destruidora no Golfo de Mannar. A mineração foi proibida, e novos recifes artificiais estão ajudando, mas é paliativo. Até que um grupo de cientistas montou um esquema que pode salvar a região no longo prazo.

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A solução pode estar nas angiospermas marinhas, plantas subaquáticas que têm raiz, caule, folhas e frutos e que exercem papel central no ecossistema. Elas funcionam como casa para diversas espécies de animais, absorvem dióxido de carbono e capturam sedimentos, assumindo também a função de filtro natural, o que limpa a água e suaviza esse processo de erosão que está afundando as ilhas.

Vhan tinha uma formidável população dessas plantas, mas ela diminuiu perigosamente, por causa de pescadores que, inadvertidamente, arrancavam as ervas marinhas ao pegar peixes e crustáceos. Com o equilíbrio ecológico abalado, os peixes rarearam, afetando a população humana local. Uma lamentável reação em cadeia.

(Crédito: iStock)

Não se trata de um problema regional. Quase um terço das angiospermas marinhas desapareceu do planeta nos últimos 140 anos.

O time do biólogo marinho Gilbert Mathews passou anos pesquisando e mapeando a região e as 19 ilhas que ainda restam no golfo. Perceberam que algumas ainda tinham uma boa cobertura de plantas subaquáticas e que poderiam ceder para aquelas em necessidade.

O transplante é penoso. Quando chegavam às áreas estéreis dos antigos prados marinhos, os mergulhadores usavam fios de juta para amarrar brotos em pedaços de plástico de um metro quadrado. Seis pedaços de barbante serviam para amarrar cerca de 120 brotos, segundo uma reportagem da BBC Future . Isso tudo deveria ser feito mantendo as raízes intactas, para que elas pudessem fincar no solo.

Após cinco meses, a vegetação começou a se recuperar. Logo os peixes voltaram. Mas, com eles, os pescadores e suas redes, que arrancavam as recém-transplantadas mudas.

O programa mostrou que funciona, mas sozinho ele não vai salvar as ilhas. Uma lei que regula as atividades pesqueiras na área está em tramitação. Se for aprovada, aí sim uma solução pode estar a caminho. Vhan parou de afundar. Mas até quando ela aguenta?

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Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.