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Terra à vista!

Na Bulgária, monumento que cultua socialismo pode voltar aos dias de glória

Felipe van Deursen

24/01/2021 04h00

42º44'N, 25º23'L
Monumento Buzludzha
Monte Buzludzha, Stara Zagora, Bulgária

Se teve algo que 2020 nos lembrou bem foi que, diferentemente dos diamantes, monumentos não são eternos. Seja no Chile, em Barbados ou em qualquer outro lugar, a História, aquela mesma que os ergueu, trata de derrubá-los.

Pontos de vista, filosofias, visões políticas mudam, mas a História segue o rumo. Quando não os põe abaixo, deixa o trabalho a cargo de uma força invencível, o tempo. Na Bulgária, ambos agiram.

Em 1868, o monte Buzludzha, no centro do país, foi palco de uma batalha épica entre rebeldes búlgaros e forças turco-otomanas. Hadzhi Dimitar liderou um pequeno grupo de algumas dezenas de homens contra 700 soldados otomanos. Apenas quatro búlgaros sobreviveram, mas o heroico desempenho deles inspirou a independência da Bulgária e o fim de cinco séculos de domínio turco, dez anos depois.

Em 1891, um grupo de políticos se reuniu no topo do monte para fundar um partido de esquerda que seria, no século seguinte, um dos pilares do Partido Comunista Búlgaro. A montanha chegou a ser batizada com o nome de Hadzhi Dimitar, que morreu na batalha de 1868. Mas o nome "Buzludzha" voltou a ser usado, apesar da origem turca ("buzluz" significa "gelado", em referência ao frio do local).

Em 1944, com a Bulgária alinhada com a Alemanha, rebeldes lutaram contra forças nazistas no pico. Após o fim da Segunda Guerra e a vitória da resistência e dos soviéticos, o Partido Comunista assumiu o controle da Bulgária em 1946.

Os novos comandantes do país resolveram que Buzludzha merecia um monumento à altura de seus eventos históricos. Não tanto pela batalha contra os otomanos, mas pela fundação do Partido da Social Democracia Búlgara.

As obras começaram em 1974. O projeto, assinado pelo arquiteto Giorgi Stoilov, ex-prefeito da capital, Sófia, exigia uma terraplanagem do pico, que perdeu 9 m. Agora, com 1.432 m de altitude, ele ganhou 70 m de concreto de puro futurismo comunista.

O Monumento de Buzludzha foi inaugurado em 1981. A aparência de um pires equilibrado no alto da montanha ou de um óvni abandonado em um monte gelado, é um cenário perfeito para o QG de algum vilão de 007.

O interior é revestido com 510 m² de mosaicos, feitos a partir de 35 toneladas de vidro de cobalto, que narram o século 20 no país sob o olhar do partido. Cenas bucólicas de camponeses ladeiam batalhas contra os fascistas. Trabalhadores comunistas empunham seus forcados contra o capitalismo internacional. Do lado de fora, outros mosaicos, feitos com pedras de rios búlgaros, contam a história do país.

A opulência durou pouco. Em 1989, o comunismo caiu e o monumento ficou entregue às intempéries naturais e à criatividade dos vândalos. Não resta quase nada dos mosaicos externos. As obras de arte foram removidas ou destruídas. A entrada, fechada ao público.

Hoje o que sobra, ainda impressionante, é a estrutura, que atrai alguns curiosos. Mas, 30 anos depois, o jogo pode virar.

Em 2018, o monumento brutalista entrou em uma lista de patrimônios culturais europeus ameaçados, feita pela organização Europa Nostra. Desde 2019, um time de restauradores de cinco universidades europeias está se empenhando para preservar os mosaicos modernistas. A equipe é liderada pela arquiteta búlgara Dora Ivanova, que é patrocinada pela Fundação Getty, dos Estados Unidos.

"Nós não devemos destruir tudo que foi criado em períodos que gostamos ou não gostamos ou foram traumáticos. É o contrário, eles devem existir para nos lembrar, para nos ajudar a aprender com os erros do passado", disse a arquiteta à agência Reuters, no ano passado, quando a equipe recebeu um novo aporte.

Os restauradores vêm coletando mosaicos do chão, tratando-os após décadas de chuva, neve e sol, e colando-os de volta. O trabalho, além de minucioso, é polêmico. Uma lei búlgara classificou os anos comunistas como um governo criminoso.

Mas, como em tantos outros vizinhos do Leste Europeu, as décadas seguintes ao fim da Guerra Fria não têm sido fáceis, com pobreza, aumento da desigualdade e corrupção. Não são poucos os que nutrem sentimentos nostálgicos dos tempos em que o país estava debaixo da Cortina de Ferro.

Em ruínas ou restaurado em sua grandeza original, o monumento seguirá dividindo opiniões do alto do monte. Pelo menos até que o tempo, a natureza ou a História lhe deem um basta.

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Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.