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Terra à vista!

As pessoas estão furtando azulejos de Lisboa como nunca

Felipe van Deursen

06/03/2019 11h54

(foto: iStock)

38º43'N, 9º06'O
Museu Nacional do Azulejo
Lisboa, Lisboa, Portugal

Começando pelo clichê: poucas coisas são tão portuguesas quanto o azulejo. Só em Lisboa uma instituição como o Museu do Azulejo seria uma das principais atrações turísticas (e em uma cidade que está recheada de programas culturais, diga-se de passagem).

Mas, infelizmente, o azulejo está correndo sérios riscos. Ele é uma triste e improvável vítima dos efeitos colaterais da atual fase que vive Portugal. País da moda no turismo, economia saudável, crescimento, especulação imobiliária e, bum, cadê o azulejo que estava aqui?

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Fácil de entender. As paredes lisboetas viraram cofres escancarados. Um único azulejo chega a centenas de euros nas melhores lojas de antiguidades da capital, então é tentador demais para um larápio preparado ou até para alguém desesperado por dinheiro fácil arrancar as peças por aí. Até turistas fazem isso. Lembrancinha de viagem…

Furtar essas peças da cidade é um crime que pode render até oito anos de xadrez. Só que o problema é pegar e julgar o ladrão. A lei determina que os investigadores devem comprovar que o azulejo foi roubado de tal edifício e que não se trata de um ladrilho genérico. Aí complica. Prevenir tais furtos também não é fácil, como é de se imaginar.

(foto: iStock)

HISTÓRIA ANTIGA, CASO RECENTE

A relação dos portugueses com os azulejos foi algo importado de Sevilha no final do século 15. Artistas locais passaram a atender a demanda por mais plaquetas cerâmicas, conforme a moda crescia. Nessa época, a tendência eram azulejos nos interiores das casas. Só em meados do século 19, quando a fabricação ficou mais barata, que a peça começou a ganhar também as fachadas, pois a técnica se mostrou bem-sucedida para proteger da umidade, do envelhecimento e, especialmente nas colônias d'além-mar, do calor tropical.

São Luís, fundada por franceses e ocupada brevemente por holandeses, foi conquistada pelos portugueses de vez em 1644. Com o tempo, a capital do Maranhão se tornou a mais lusitana da cidades coloniais e acumulou o maior acervo urbano de azulejos da América.

Infelizmente, o descaso, a incompetência e o desrespeito corroeram o centro histórico ludovicense, patrimônio da Unesco desde 1997. Há obras de restauro, mas a passos lentos.

(foto: iStock)

Em Lisboa, o problema é outro. A pilhagem das cerâmicas é algo que existe meio que desde sempre. Mas a explosão turística e imobiliária da cidade tornou a prática muito mais tentadora. A capital portuguesa é a segunda cidade europeia com maior aumento de viajantes a lazer na década. E, só no primeiro trimestre de 2018, o valor médio dos imóveis na cidade disparou mais de 20%.

Isso mudou a cara de Lisboa. Mais turistas significa mais gente disposta a comprar azulejos nos mercados de rua, sabendo ou não que eles foram arrancados de casas históricas. A maior procura estimula os furtos e a venda para esses mercados, mesmo que os valores praticados sejam uma fração daqueles dos antiquários. O dinheiro rápido fala mais alto para muita gente. Em especial em uma cidade onde a especulação imobiliária esvaziou muitos prédios, cujos antigos habitantes saíram devido à alta dos preços e cujos proprietários têm dificuldades em arranjar ocupação, segundo o site City Lab.

Edifício vazio, oficina do diabo. É no interior desses prédios que operam os ladrões especializados. Essas construções guardam os azulejos mais antigos e valiosos, muitos da época da reconstrução da cidade, após o terremoto de 1755. Fora que é ainda mais difícil flagrar um ladrão dentro de uma casa abandonada do que em uma calçada.

(foto: iStock)

REAÇÃO

A boa notícia é que o poder público e a sociedade estão se mexendo. Uma lei de 2017 obriga os proprietários de residências, até os donos de construções que não têm nenhum valor histórico, a obter permissão antes de remover os azulejos.

No Banco do Azulejo, proprietários podem substituir os ladrilhos que caíram ou foram roubados. O Mapping Our Tiles usa fotos dos usuários para alimentar um mapa online interativo de fachadas de todo o país, facilitando a fiscalização para todo mundo. Já o SOS Azulejos é uma iniciativa policial para combater o furto das cerâmicas.

Portanto, quando estiver em Lisboa, é melhor comprar um ímã de geladeira.

Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.