A cidade maia que venceu a luta contra o plástico e viu o turismo explodir
14º68'N, 91º26'O
San Pedro la Laguna
Sololá, Guatemala
San Pedro la Laguna é uma cidadezinha de 9 mil habitantes situada 1.600 m acima do nível do mar. Ela se destaca no turismo da Guatemala devido a sua gloriosa localização, rodeada de vulcões, à beira do lago Atitlán.
Mas, até 2016, San Pedro, tal qual suas vizinhas, contribuía de monte para a não-tão-lenta asfixia do lago e seu delicado ambiente, ameaçado por toneladas de entulho. Quando uma nova central de tratamento de lixo foi instalada, a previsão era de que ela seguraria as pontas por uma década. Em apenas um semestre, o depósito já estava pela metade. A maior parte desse lixo eram itens descartados após uma única vez, quase tudo de plástico.
Em vez de erguer uma central maior ainda, como gestores que acham que a melhor solução para os congestionamentos é fazer mais avenidas, a prefeitura da cidade decidiu implementar uma lei que restringisse o uso de descartáveis derivados do petróleo e encorajasse a adoção de materiais menos danosos. Tolerância zero para itens de plástico e isopor de uso único.
San Pedro queria dar adeus àquela eleita a grande vilã do desperdício fútil: a sacola plástica. E, claro, a seu herdeiro, que ganhou enorme (e tardia) evidência de uns tempos para cá: o canudinho.
Só que, para uma medida dessa envergadura dar certo, o povo tinha que querer ajudar. Todo mundo sabe que apenas multar não dá certo. Então, uma grande campanha de conscientização bateu de porta em porta, explicando sobre desperdício e cuidados com o lixo. O passo seguinte era a segurança financeira. Quem iria trocar marmitex de isopor por uma alternativa sustentável? Isso é coisa de rico, argumentavam, não sem razão. O governo trocou os itens de plástico e isopor por outros reutilizáveis ou biodegradáveis — sem custo para a população.
Um dos usos mais comuns em San Pedro, que há séculos é uma cidade tz'utujil (um dos vários grupos indígenas que constituem os maias da Guatemala), é o de sacolas (onde não é?, talvez você se pergunte). Então, a prefeitura investiu cerca de US$ 11 mil, segundo o site Atlas Obscura, e encomendou 2 mil sacolas de borracha natural feitas a mão por artesãos da região vizinha de Totonicapán.
A corrida verde de San Pedro tem outras frentes, capitaneadas por empresas e ONGs. Lixo vira combustível. A reciclagem tem inspirado artistas locais. Os pescadores se organizaram direitinho para lançar uma iniciativa de limpeza do lago. Usinas de tratamento de água, adoção de lâmpadas públicas de led, proibição de extração de areia do lago e fabricação de mesas e carteiras escolares de material reciclado são projetos em desenvolvimento.
Os primeiros resultados já começaram a aparecer. O turismo, principal fonte de renda da cidade, aumentou 40% em 2018. Os viajantes que por lá aportam também precisam entrar na linha e ficar longe do plástico.
TESOURO MAIA
O Atitlán não é um lago qualquer. É uma das grandes atrações turísticas guatemaltecas e deslumbrou até pessoas acostumadas com as paisagens mais fascinantes da Terra, como o explorador e naturalista alemão Alexander von Humboldt. Ele percorreu Rússia, Peru, Turquia e tantos outros e batizou orquídea, pinguim, corrente marítima, condados, arbusto, cadeia de montanhas e salgueiro. Sobre o Atitlán, do pedestal que sua autoridade lhe conferia sem nenhum esforço, Humboldt teria sacramentado: "este é o lago mais bonito do mundo".
O lago conquistou outros grandes exploradores – e criadores – de outros mundos. O britânico Aldous Huxley é famoso pela ficção científica, como em Admirável Mundo Novo e A Ilha, mas ele também escreveu relatos de viagem. Em Beyond the Mexique Bay ("Além da 'baía' do México"), de 1934, ele comparou o Atitlán com o lago mais famoso da Itália: "O Como, me parece, toca o limite da permissividade do pitoresco, mas o Atitlán é o Como com o embelezamento natural de vários imensos vulcões. É realmente uma grande coisa."
Além do deslumbramento natural, tem a riqueza arqueológica maia. Os sítios de Sambaj e Chiutinamit guardam ruínas submersas do que podem ser cidades inteiras, erguidas no período pré-clássico e engolidas por uma elevação do nível do lago em 250 d.C.
Essa violência das águas tem uma origem mitológica. Reza a lenda que, toda manhã, Citlatzin ("Estrelinha"), a filha do cacique local, se banhava em um dos rios da região. Bela e dona de uma voz doce, ela conquistou o coração dos rios, que todo dia aguardavam o momento em que a jovem surgia para um mergulho. Os três rios se julgavam merecedores dos encantos de Citlatzin, apesar de ela estar prometida ao filho de outro cacique.
Mas nem os rios nem o tal jovem tinham chance, pois a moça queria mesmo era o plebeu Tzilmiztli. Amor proibido, que só fez esquentar a relação. Os rios perceberam que Citlatzin cantava cada vez menos em suas margens, pois ela preferia se agarrar com Tzilmiztli. Vingativos, os rios pediram ao vento que quando o casal aparecesse para namorar ele empurrasse o apaixonado plebeu para as suas águas revoltas, afogando-o. Deu certo. Mas Citlatzin não poderia viver sem seu grande amor e decidiu segurar-lhe a mão e misturar-se para sempre nas profundezas.
Os rios, irados com a reação da mulher, se transformaram em um choque de ondas cada vez maiores que acabaram inundando toda a região e formando o lago Atitlán. As águas jamais esqueceram o que os rios viam como uma traição de Citlatzin, como se escolher o homem amado fosse um erro. Até hoje, eles protestam sua indignação por meio do vento típico que toma o lago nos fins de tarde e impedem a navegação. Esse vento é conhecido como xocomil, palavra que quer dizer algo como "pegar os pecados". Para essas comunidades lacustres, o xocomil varre seus pecados para longe.
Agora, pelo menos em San Pedro la Laguna, o vento leva também os excessos cometidos em forma de plástico. Felizmente, para bem longe do lago.
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