Os marujos rebeldes que fundaram o "país" menos populoso do mundo
Ilhas Pitcairn
(território britânico ultramarino)
24º40'S, 128º32'O
O Motim no Bounty é a mais famosa rebelião da mais importante Marinha da história, e as artes não nos deixam esquecê-lo. Lorde Byron e Mark Twain escreveram sobre o tema. A cada geração ele é renovado no cinema. Clark Gable (1935), Marlon Brando (1962) e Mel Gibson (1984) já interpretaram Fletcher Christian, o líder do levante.
O resumo da refrega: em 1789, o nobre Christian e seus amotinados expulsaram o comandante do navio, o tenente (e plebeu) William Bligh. Largado no meio do Pacífico, Bligh sobreviveu à volta para a Inglaterra, e a saga teve novos e deliciosos desdobramentos (sugiro o livro O Motim no Bounty – A História Trágica de um Confronto em Alto-Mar, de Caroline Alexander).
Christian queria retornar ao Taiti, onde a tripulação havia permanecido por cinco meses, entretida por música, tatuagens e danças sensuais. Mas a ilha não era um paraíso idílico, e os britânicos tinham também seus desafetos.
Christian e seus seguidores decidiram, então, procurar um refúgio mais seguro. Levaram consigo alguns aliados nativos e suas esposas — muitos europeus haviam se apaixonado durante a temporada taitiana, o que seria um dos motivos para o motim. Ainda assim, as mulheres não foram informadas do plano.
O grupo chegou sem querer à pequena ilha de Pitcairn, de 47 km² (o equivalente à área urbana de Cabo Frio, RJ). As cartas náuticas da época erraram sua localização, então os amotinados estariam seguros, longe dos tribunais navais do império. Pitcairn era praticamente uma ilha fantasma, invisível no mapa. Deu certo e, por quase 20 anos, eles ficaram incógnitos.
Queimaram o Bounty, ergueram casas, recomeçaram a vida. Mas o paraíso, de novo, não veio. Nos primeiros anos, houve conflitos entre os ingleses e os taitianos. As mulheres, tratadas promiscuamente pelos europeus, pediram ajuda aos conterrâneos. As brigas esquentaram até que, em 1794, Christian e outros companheiros morreram.
O feito mais incrível desses marinheiros rebeldes, porém, já estava garantido. Os filhos dos britânicos com as taitianas deram início a uma linhagem anglopolinésia que resiste até hoje com cultura e língua próprias.
Em 1800, o único inglês sobrevivente, Alexander Smith, assumiu o controle de Pitcairn. O isolamento seria interrompido em 1808, quando um navio americano caçador de focas chegou à ilha. Os filhos da improvável união viveram em Pitcairn até 1856, quando a superpopulação forçou a migração dos 194 habitantes. Procuraram uma ilha desabitada e maior. Acharam Norfolk, uma colônia penal desativada que tinha animais domesticados e estradas. A rainha Vitória, que simpatizava com os descendentes, autorizou que um navio os transportasse ao local, que hoje pertence à Austrália.
Hoje, dos cerca de 2 mil habitantes, metade descende dos amotinados. Eles falam norfuk, uma mistura de inglês do século 18 com taitiano (é uma variante do pitkern, de Pitcairn). "Como vai?" é "Watawieh". Eu entrevistei um descendente de Christian e habitante da ilha, que me disse, à época, que a vida era boa. "Comemos banana frita, dançamos hula ao som do ukelele. Todos têm casa e emprego."
Em Pitcairn, para onde alguns descendentes voltaram em 1864, vivem cerca de 50 pessoas, o que faz dela a jurisdição menos populosa do mundo. Fora a lonjura. O pedaço de terra mais próximo é Mangareva, na Polinésia Francesa, a 540 km. A leste, lá se vão quase 2 mil km para se chegar à Ilha de Páscoa.
Tanto Norfolk quanto Pitcairn mantêm a memória do motim com festas e feriados. Pitcairn, juntamente com outras três ilhas desabitadas (uma delas, Henderson, é patrimônio natural da Unesco), é hoje território ultramarino britânico, assim como Bermudas, Ilhas Cayman ou Turks e Caicos. Mas só lá você vai poder treinar seu pitkern.
Vale dar um zoom menos no mapa para ver o tamanho da encrenca.
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