A Zanzibar de Freddie Mercury que o filme do Queen não mostra (nada!)
6º09'S, 39º11'L
Mji Mkongwe (Cidade de Pedra)
Zanzibar, Tanzânia
Bohemian Rhapsody, que tem cinco indicações no Oscar 2019, dividiu opiniões. O filme foi divulgado e promovido como uma biografia de um dos maiores nomes da música do século 20, mas tem uma pilha de erros históricos bobos que irritou os fãs mais apegados à veracidade dos fatos. "Bobos" porque são uns puxadinhos aqui, umas improvisadas ali na linha do tempo do Queen que não fazem sentido. Qualquer consulta rápida mostra, por exemplo, que "We Will Rock You" é anterior à fase Senhor Bigode de Freddie Mercury (o que faz muita diferença para quem manja). Fora a lambança que misturou os shows da banda no Brasil nos anos 80, inadmissível para os sortudos que estiveram no Morumbi, em 1981, ou no primeiro Rock in Rio, em 1985.
Aí até pode parecer radicalismo de fã, afinal as atuações e as cenas musicais compensam, e assistir ao filme no cinema é um desses espetáculos que mostram por que o rock ainda fascina tanto. Mas é que, além das imprecisões cronológicas, muita coisa fica de lado ou é tratada superficialmente. A mais comentada é a sexualidade de Freddie Mercury, que não teria tido destaque nem profundidade na trama. Quem leu alguma biografia dele ou da banda acredita que a trajetória deles é uma história muito mais complexa, interessante e saborosa, que merecia até uma série própria.
Uma dessas histórias é a infância de Freddie, ou melhor, de Farrokh Bulsara, seu nome de nascimento. A origem de Farrokh na África oriental mal é citada no filme. E muito menos mostrada.
Seus pais eram parsis, um povo indiano de origem persa que pratica o zoroastrismo. Eles viviam na região de Gujarat, na Índia britânica. Por motivos de trabalho, mudaram-se para o então Protetorado Britânico de Zanzibar, onde Farrokh nasceu, em 1946. Na infância, o menino foi enviado à Índia para estudar. Em 1963, Zanzibar conquistou a independência. No ano seguinte, o país juntou-se a Tanganica, no continente, em uma revolução que deixou alguns milhares de mortos e formou um novo país, a Tanzânia. O novo governo adotou o socialismo, aproximou-se da China e, naquele clima de Guerra Fria, a família Bulsara, zoroastriana em uma nação de cristãos e muçulmanos, achou por bem imigrar para o Reino Unido, onde Farrokh assumiria o apelido Freddie e o rock ganharia um novo deus.
Agora me diga: no Olimpo do rock, tão branco, tão anglo-saxão, cheio pelas tampas de crianças problemáticas que cresceram em rincões industriais ingleses ou cidadezinhas tediosas nos Estados Unidos, essa é ou não é uma história que se destaca? O dono da voz mais poderosa do rock (segundo críticos, Axl Rose e a ciência) tem raízes no zoroastrismo da Índia, no colonialismo britânico e nas lutas pela independência na África.
A trama fica mais complexa quando vemos que Zanzibar tem uma relação controversa com o ídolo. Muçulmana e conservadora, a ilha proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e a Tanzânia é um dos países mais hostis à comunidade LGBT. Em 2006, houve protestos contra festividades marcadas para celebrar os 60 anos que Freddie faria, se a Aids não o tivesse levado em 1991. Por outro lado, há excursões dedicadas a ele e existe, em determinados setores da sociedade, muito orgulho do cantor.
Que baita história isso renderia.
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