Aquecimento global criou um cemitério de estações de esqui nos Alpes
45º06'N, 6º59'L
Frais
Chiomonte, Piemonte, Itália
A face mais conhecida do apocalipse climático do futuro próximo são as cidades costeiras submersas. Afinal, 40% da população da Terra vive a no máximo 100 km do litoral, nove países inteiros correm o risco de acabar engolidos pelo oceano e Hollywood já desgastou a imagem da Estátua da Liberdade brincando de "marco polo".
Mas não são somente as baixas altitudes que podem mudar drasticamente. O aquecimento global está transformando as montanhas. Em algumas delas, de maneira mais drástica. Enquanto o planeta ganhou em média cerca de 1ºC, os Alpes ficaram quase 2ºC mais quentes nos últimos 50 anos. Não se engane, esses decimais fazem toda a diferença.
Que o digam os trabalhadores de vilas alpinas cujas economias dependem da neve. Em algumas dessas cidades, até 90% da renda está no turismo de inverno. A quantidade de dias com pelo menos 30 cm de neve acumulada, tida como o mínimo ideal para a prática de esqui, caiu feio desde a década de 1980. Col de Porte, França, 1.325 m de altitude: de cerca de 100 dias nos anos 80 para 70 nos 2010. Innsbruck, Áustria (577 m): de 30 para 17 dias.
Menos neve significa menos esqui e outros esportes invernais. A demanda despenca, o comércio local sente o baque. E aí temos um efeito colateral desses Alpes mais cálidos e menos brancos, os cemitérios de estações de esqui, fenômeno visto também no Colorado e na Coreia do Sul.
A diferença é que nos EUA foram mudanças econômicas regionais e, na Coreia, a mesma novela do "legado olímpico". Apenas um ano após os jogos de inverno de PyeongChang, muitas instalações estão às traças.
Já nos Alpes as estações abandonadas são puro mosto de aquecimento global. Elas pertencem ao mesmo grupo de ruínas contemporâneas capitaneadas por Chacaltaya, a outrora estação mais alta do mundo que, hoje, largada e despida de neve nos Andes, acabou virando outro tipo de atração turística na Bolívia.
Na Itália, há quase 200 resorts entregues à natureza. Hotéis, estacionamentos e uma pilha de concreto, cabos de aço e pistas desflorestadas. É o início de um processo que pode acabar com a cordilheira europeia. Se as emissões de gases de efeito estufa permanecerem na taxa atual, os Alpes perderão 90% dos seus glaciares até 2100, segundo um estudo publicado no primeiro semestre.
Em 2006, o Vale de Susa, no Piemonte, sediou as competições de snowboard das Olimpíadas de Inverno de Turim. Em 2019, estações e hotéis desse vale sequer abriram as portas. Poucas pessoas vivem permanentemente na região.
No outro lado dos Alpes italianos, as Dolomitas sofrem. Há dez anos, essas montanhas foram chanceladas pela Unesco como patrimônio natural da humanidade, dada a beleza de seus 18 picos de mais de 3.000 m de altitude, a complexidade geomorfológica e a importância científica.
Hoje, a temporada de esqui nas Dolomitas precisa de um empurrão tecnológico para acontecer. Graças a algo que a humanidade conhece desde a década de 1930, mas que nos últimos anos ganhou popularidade nessas estações já não tão frias. Isto aí embaixo é neve produzida em máquinas.
As pistas parecem "tristemente fora de lugar, longas avenidas brancas de neve cortam uma paisagem de grama morta, arbustos mortos e caminhos pedregosos", descreve uma reportagem da revista Time. "Os esquiadores também parecem deslocados, relaxando em chaise longues no chão seco ao lado das trilhas ou chegando às descidas em calças de esqui e camiseta."
Os fotógrafos italianos Marco Zorzanello e Tomaso Claravino, em projetos separados, trataram do mesmo assunto, a derrota dos Alpes para o caos climático. Eles postaram algumas fotos em suas respectivas contas no Instagram.
Os picos do país derretem. Se o mundo seguir nesse ritmo, esquiar na Itália será algo tão artificial quanto a neve do Natal no Brasil.
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