Turismo improvável: as belezas que você poderia ver em Gaza
31º30'N, 34º28'L
Gaza
Faixa de Gaza, Palestina*
Entrar na Faixa de Gaza não é uma tarefa fácil para o cidadão comum. Você precisa de permissão do governo de Israel, o que pode demorar meses. De avião não rola porque o aeroporto local foi bombardeado várias vezes e está fechado desde 2000. De barco é complicado porque, além do porto também não estar em operação, o litoral do território tem patrulha das Forças Armadas israelenses (que também controlam o céu de Gaza). Por terra, há uma passagem principal, controlada pelo Egito, e outra menor, por Israel.
Desde 2007, quando o Hamas assumiu o controle da Faixa de Gaza, esse pequeno território, encravado entre os não muito amigos Egito e Israel, ficou isolado do mundo. O trânsito de mercadorias, comércio e pessoas é restrito. Conflitos armados são corriqueiros nesses últimos 13 anos, com picos de violência bélica em 2008, 2009 e 2014. Mais de 80% da população sobrevive graças a ajuda internacional, metade dos jovens tem depressão e, com uma das maiores densidades demográficas do mundo, o território tem gente demais e condições de sobrevivência de menos. São quase 2 milhões de pessoas que convivem com blecautes elétricos constantes e falta de água potável em uma área de 365 km2, menor que o espaço urbano de Curitiba.
Essa é a Faixa de Gaza a que estamos acostumados no noticiário e na aula de geografia. Mas, além dos escombros, dos bombardeios e da repressão, ainda existem amostras da Gaza que era uma ponte da Arábia para a Europa e uma bela faixa mediterrânea que atraía visitantes à Terra Santa.
Exemplo desse passado é o Qasr al-Basha, o Palácio do Paxá, forte construído no século 13 e símbolo da glória do sultanato mameluco de Baibars. Os mamelucos eram escravos soldados que se tornaram uma casta militar poderosa, que chegou a dominar a política de países e estabelecer sultanatos, como no caso do Egito do sultão Baibars (o que incluía Gaza).
Reza a lenda que Baibars se casou em Gaza enquanto enfrentava os cruzados e os mongóis (que os mamelucos derrotaram, diga-se de passagem). O palácio seria parte da residência de sua esposa gazita.
Ah, um respiro etimológico. A fama de destemidos dos mamelucos se popularizou em Portugal e o termo acabou sendo usado também para designar os supostamente durões filhos de brancos com indígenas no Brasil.
No século 17, Gaza integrava o poderoso Império Otomano, que implementou uma série de melhorias no forte. Hoje, ele abriga um colégio e um museu de antiguidades, como jarros de 1.700 anos que transportavam azeite e vinho em navios que saíam de Gaza e faziam comércio no Mediterrâneo.
A cidade antiga de Gaza tem pérolas do turismo religioso, como a Omari (na foto abaixo), mais antiga mesquita em uso de Gaza e que, de tão antiga, era originalmente uma igreja cruzada. Ali perto ficam o prédio que seria a tumba de Sansão e a de Hashim Manaf, bisavô de Maomé.
Os tempos otomanos são bem representados pelo hammam Samaritano, única casa de banho turco de Gaza. O nome vem dos antigos samaritanos, povo bíblico que administrava o estabelecimento. Entre os samaritanos (cujos poucos remanescentes vivem em Israel) e os otomanos, o hammam passou pelas mãos dos mamelucos também, no século 14.
Além de prédios históricos, Gaza tem lá suas amenidades. O Beit Sitti é um café e restaurante em um beco da cidade antiga que homenageia a herança cultural da Palestina. O café-da-manhã tem pãezinhos com queijo, zaatar e geleias típicas. Toda quinta à noite rolam jantares com música árabe e narguilé.
Na praia, o restaurante de frutos do mar Al Salam Abu Haseira oferece um ensopado de camarão e tomate servido em panelas de barro feitas em Gaza, além de dagga ghazawiyeh, a salada Gaza, com purê de tomate, pepino, endro e pimenta, e de qedra, prato apimentado de arroz com carne cozido por horas. Tudo isso com vista para o Mediterrâneo.
A média de leitos de hotel ocupados é de 20%, o suficiente para bravos e orgulhosos empreendedores que insistem em abrir as portas para quem conseguir chegar. Al-Mathaf ("o museu", em árabe) é um hotel butique com seu museu particular, uma coleção de antiguidades coletadas em ancestrais casas de Gaza. O Mashtal é um cinco estrelas inaugurado em 2011. Em frente a ele, o resort Blue Beach tem piscina olímpica e praia privada.
O turismo em massa pode ser inexistente em Gaza, mas o enclave tem uma classe média ávida por comodidades e uma elite que tem à disposição concessionária de carros de luxo, lojas de grifes, restaurantes japoneses e clubes à beira-mar.
O atual embate entre Hamas e Israel é só mais um na longa história de ocupações e guerras de Gaza. Egípcios, romanos e bizantinos deixaram suas pegadas. Depois vieram o Califado Abássida, os cruzados, os mamelucos, os turco-otomanos, os britânicos, os egípcios modernos e Israel.
Entre um invasor e outro, Gaza florescia como um porto conectado e um centro comercial dinâmico. Tomara que volte a ser isso, um lugar aberto ao mundo e um símbolo de respeito às diferenças.
* Desde 2012, as Nações Unidas consideram a Palestina um Estado observador, mas não um membro pleno.
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