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Terra à vista!

Para evitar a extinção das bananas, melhor ouvir quem faz cerveja da fruta

Felipe van Deursen

05/10/2019 04h00

Kilimanjaro

3º17'S, 37º31'L
Marangu, Monte Kilimanjaro
Kilimanjaro, Tanzânia

Em agosto, testes na Colômbia mostraram que o fungo que destruiu plantações de banana na Índia e nas Filipinas e parecia confinado ao Sudeste Asiático e à Austrália nos últimos anos chegou, enfim, à América Latina. Em 2013 ele havia sido detectado no Oriente Médio e na África. Mas agora estendeu os tentáculos à região que abastece o mundo inteiro de bananas. E ameaça uma indústria global de US$ 44 bilhões presente em 130 países e muito importante na balança comercial de um punhado deles.

Os cientistas iniciaram uma corrida para tentar derrotar o fungo, que por ora é indestrutível e poderia exterminar a fruta da face da Terra. Em outros lugares, como Madagascar, produtores buscam a salvação em variedades diferentes.

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O medo do apocalipse das bananas é real. Até em Years and Years ele foi citado: daqui a um cacho de anos, no mundo superpolarizado, xenófobo e populista da série, bananas serão uma lembrança do tempo do 4G.

A fruta mais exportada do mundo corre um perigo que ela mesma já provou. Até os anos 1950, o subgrupo mais cultivado para exportação e produção em larga escala do planeta era o Gros Michel, mas um fungo o devastou. Então, a Cavendish, uma banana resistente a essa doença, prosperou.

O subgrupo Cavendish (que inclui, entre outras variedades, a banana-nanica) corresponde a 47% das bananas produzidas no mundo e a 99% daquelas vendidas para os países desenvolvidos. É ele que está ameaçado hoje, e os cientistas não sabem se simplesmente substituir um subgrupo por outro pode funcionar como há 50 anos.

O que se sabe é que cultivar áreas enormes por um tempo longo demais de uma mesma planta, sem variação genética, é um alvo fácil para esses perigos. Existem mais de mil espécies de banana aí fora no mundo, mas comemos a mesma. Monocultura é a maior sequela.

Montanhas da Tanzânia

Os chagga, um dos principais povos da Tanzânia, baseiam sua alimentação na banana, mas de uma forma bem diferente das fazendas monótonas de uma planta só. Habitantes das encostas do Kilimanjaro, os chagga mantêm "jardins caseiros", pequenos sítios de subsistência nas chamadas florestas de bananas da montanha.

Nessa estrutura de agrofloresta, os chagga mantêm a floresta de pé e cultivam uma série de culturas diferentes. Só de bananeiras são 25 variedades. O sistema deles é tão bem-sucedido que, apesar de sua população ter se multiplicado por 20 desde 1895, os níveis de desmatamento da região não acompanharam a taxa. Os chagga são um exemplo estudado de convívio harmonioso e economicamente produtivo entre humanos e a floresta.

Com tanta banana, não faltam receitas. Machalari é com carne e kiburu, com feijão. Tem kitawa, uma espécie de mingau, e alguns tipos de ensopado. E tem mbege, a "cerveja" de banana.

Trata-se de uma bebida artesanal, que você não encontra para comprar em mercados da Tanzânia. Ou seja, é "artesanal" de fato, não como aquela cerveja que se diz "artesanal" só porque é produzida em uma escala menor que a da grande indústria…

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Normalmente, a fabricação de mbege é uma atividade feminina. Primeiro, as mulheres esmagam e fervem bananas maduras e as deixam fermentar em um barril. Depois, adicionam pó de um tipo de milho seco e casca de msesewe, a árvore da quinina (Rauvolfia caffra).

O sabor é doce, mas com uma pegada amarguinha no final. Isso graças à quinina, substância extraída também da cinchona, arbusto sul-americano que serviu de base para a invenção da água tônica.

A mbege é uma bebida social, compartilhada em eventos como reuniões de negócios, funerais, aniversários e casamentos. Se você, como eu, ficou interessado em experimentar, a melhor maneira, segundo sites de turismo da Tanzânia, é fazer um passeio para as cachoeiras ou plantações de café do Kilimanjaro e visitar os bares dos vilarejos locais.

Um brinde para quem sabe como cuidar da banana, a fruta mais legal do mundo.

Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.