A vida e o medo da covid em uma das ilhas mais densamente povoadas do mundo
9º47'N, 75º51'O
Santa Cruz del Islote
Arquipélago de San Bernardo, Bolívar, Colômbia
No século 19, pescadores do Caribe colombiano construíram uma ilhota artificial com pedras, conchas e entulho para usá-la como descanso e abrigo para os trabalhadores que iam e vinham de Cartagena das Índias, Tolú ou Coveñas. Com o tempo, descobrindo que ali era um bom ponto de pesca, alguns começaram a se estabelecer. Construíram casas com conchas, cascas de coco, troncos, areia e até lixo.
Trouxeram as famílias, mais gente chegou, novas gerações surgiram. Hoje, cerca de 500 pessoas habitam a ilhota de 12 mil m2, área que não chega a completar dois campos de futebol nos padrões da Fifa. Uma densidade populacional de 40 mil seres humanos por quilômetro quadrado. A Rocinha, no Rio de Janeiro, tem uma taxa de 39 mil.
Muita muvuca, mas não o suficiente para considerá-la a ilha mais densamente povoada do mundo, como alguns sites caça-cliques e perfis mendigando likes já postaram. Ilet a Brouee, no Haiti, por exemplo, tem uma população semelhante se espremendo em um espaço três vezes menor.
Existe uma dezena de outras ilhotas e ilhas mais transbordantes de gente no mundo, aliás. Mas nenhuma é assim, circular, de desenho animado, e com esse contraste tão marcante do azul plácido caribenho com o cinza árido dos telhados ondulados de fibrocimento, amianto ou zinco.
Então veio a fama e com ela alguns visitantes curiosos. O turismo deu um gás na economia local. Não tem água corrente, mas tem hostel, e os turistas podem ter um vislumbre da vida no local e nadar com tubarões e arraias.
Santa Cruz tem uma escola e população majoritariamente jovem. Quem decide ficar na ilha acaba trabalhando com pesca ou turismo.
Em 2020, chegou aquela sombra "covídica" e a preocupação, comum a tantos outros lugares com desafios e problemas de habitação semelhantes. Como lidar com uma pandemia de uma doença ainda sem vacina, em que o isolamento social é uma das medidas efetivas?
Um guia turístico resumiu o clima à agência de notícias AFP: "Nós estamos isolados, longe do vírus, mas, sim, sentimos medo de que uma pessoa contaminada chegue à ilha, infecte todo mundo e todos morram", disse Adrián Caraballo, 22 anos, no começo de julho.
Até o momento, não há casos registrados de covid-19 na ilhota, embora lá vigore, involuntariamente, uma versão deturpada e pandêmica de "don't ask, don't tell". Ninguém testou, ninguém tem. Assim se espera.
A rede de TV colombiana Caracol ainda lembra que Santa Cruz não tem energia elétrica, não tem médico, não tem respiradores, não tem cemitério, tem muitos adultos diabéticos e hipertensos e apenas uma enfermeira. Água potável e mantimentos chegam de barco, o que inevitavelmente aumenta os riscos de contágio.
Para piorar, o grande facilitador turístico da ilhota virou um fator de risco: ela fica a apenas duas horas de barco de Cartagena. O departamento de Bolívar, cuja capital é "A Heroica", é um dos mais afetados pela doença.
As autoridades da ilha instituíram um protocolo de quarentena para qualquer um que volte do continente. Os moradores estão se valendo de criatividade e jeitinho, já que o distanciamento social é inviável.
Hotéis, restaurantes e bares de ilhas vizinhas estão fechados. O turismo foi atingido em cheio, como em todo lugar. As crianças correm e os adultos jogam dominó, esperando tudo isso passar. Para aplacar a crise, a pesca tradicional, para consumo próprio, voltou a ser praticada, como no tempo dos pioneiros.
Naquela época, o lugar, ainda sem nome, ganhou uma cruz de cimento. Virou Santa Cruz del Islote.
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