Na luta para salvar os corais, vale até criar seguro contra furacões
20º50'N, 86º52'O
Parque Nacional Arrecife de Puerto Morelos
Puerto Morelos, Quintana Roo, México
A ilustração de uma grande onda com a legenda "covid-19" ameaçando engolir uma metrópole viralizou ano passado. Isso porque logo atrás dessa onda vinha uma, muito maior, escrito "recessão" ou "crise econômica", dependendo da versão que você recebeu no zap. Muita gente encaminhava a charge como quem apresenta uma verdade superior.
Depois, uma nova versão da "ilustra" rodou a internet. Atrás da onda "destruidora de CNPJs", surgia um tsunami verde avassalador, que mostrava que a crise global da pandemia é picuinha de recreio perto de algo de fato significativo e também alvo de negacionistas: as mudanças climáticas da Terra.
Além da metáfora das ondas, em voga graças aos gráficos de mortes e casos de covid-19 que povoam os telejornais há quase um ano, a imagem é poderosa porque mostra uma crise atrás da outra, como um caldo titânico que pode afogar a humanidade de uma vez por todas.
Fica mais fácil entender o óbvio: detonar o meio ambiente é ruim para a economia. Queimar a Amazônia ou o Pantanal é um tiro no pé do Saci.
Foi com esse modo de pensar (ou "mindset", para ficar mais fácil para o público-alvo assimilar) que surgiu o plano de criar um seguro para proteger um recife de corais de danos causados por furacões no México. Era um processo ousado no mercado de seguros, porque duas perguntas básicas são difíceis de serem respondidas: ninguém é dono de um recife, então quem paga a apólice? E como medir os danos causados por um fenômeno natural a uma estrutura que não só é natural como é submarina?
Os corais em questão são os do Parque Nacional de Puerto Morelos, na Riviera Maia. Portanto, o maior interessado em bancar o seguro seria o governo e empresas locais. Quintana Roo, estado no extremo sudeste do país, é a última ponta do México, banhada pelo Mar do Caribe e terra de destinos famosos como Cancún, Playa del Carmen e Cozumel. A indústria do turismo no estado movimenta cerca de US$ 9 bilhões ao ano.
Para calcular o valor do seguro a ser pago em caso de dano, foi preciso adotar algo fácil de ser medido. Como a velocidade dos ventos.
Proteger os recifes não é necessário, turisticamente falando, apenas pela atração que eles próprios oferecem, mas por tudo que protegem no entorno. Recifes absorvem até 97% do impacto das ondas. Ou seja, sem barreira de corais, acabam as praias. Sem praias, os turistas deixam de vir. Sem turistas, o dinheiro seca.
Quintana Roo decidiu apostar no experimento, que protege 167 quilômetros de costa contra furacões de velocidades superiores a 100 nós (185,2 km/h) – são tempestades de categoria 3, em uma escala que vai até 5.
Em outubro de 2020, o primeiro teste. O furacão Delta atingiu Puerto Morelos. O seguro, de cerca de R$ 4,5 milhões, foi liberado para fazer reparos na barreira.
O grupo de voluntários conhecido como Brigada, formado por guias de turismo, instrutores de mergulho, pesquisadores, pescadores e guardas florestais, se apressou para iniciar os trabalhos. "Somos como paramédicos", disse María García Rivas, diretora do parque nacional e uma das líderes do grupo, ao The New York Times.
A função da Brigada consiste, grosso modo, em colar os pedaços soltos dos recifes. Os voluntários preparam uma argamassa especial que os mergulhadores usam para restaurar a barreira, em um trabalho de horas debaixo d'água. Os fragmentos varridos pelo furacão variam de cacos a pedaços do tamanho de banheiras.
Em um mundo ideal, recifes de corais não precisariam estar segurados contra furacões, afinal eles sobrevivem a essas tempestades desde tempos imemoriais e estariam aí, de boa, não fôssemos nós. Os humanos fizeram com que os corais perdessem o vigor, por causa de poluição marinha, da pesca agressiva e da acidificação e aumento da temperatura da água.
Para complicar, as mudanças climáticas banalizaram os furacões, que são um fenômeno cada vez mais comum. Dos 37 ciclones tropicais de categoria 5 que atingiram o Atlântico Norte, o Mar do Caribe e o Golfo do México desde 1924, 15 aconteceram neste século.
Colocando na balança. Em 76 anos, foram 22 furacões peso-pesado. Nas últimas duas décadas, 15 furacões do mesmo nível. Na média, no século 20 houve um furacão categoria 5 a cada três anos e meio. No século 21, a frequência foi de um a cada um ano e quatro meses.
EXPERIMENTO OUSADO E POLÊMICO
Muita gente está de olho no experimento no Parque de Puerto Morelos. Seus recifes, 28 quilômetros ao sul de Cancún, são lar de corais ameaçados de extinção.
Se a medida de aliar explicitamente sustentabilidade e economia – ao dar um valor monetário a um monumento natural e investir o dinheiro do seguro no trabalho de profissionais especializados, a fim de proteger o ambiente e garantir, no fim das contas, o turismo local – der certo, outros exemplos devem surgir no mundo. Regiões costeiras ameaçadas podem passar a ter seguros para seus recifes ou manguezais.
Especialistas torcem o nariz para a medida, demasiado antropocêntrica. Afinal de contas, do ponto de vista dos corais, o furacão não é um problema.
Como a charge das ondas deixa bem claro, a real ameaça é outra, muito maior. Mas a aposta, agora, é no pragmatismo. Nada como doer no bolso para provocar uma mudança imediata.
O experimento é mais um capítulo na longa história de destruição, pilhagem e furacões de Puerto Morelos. Os espanhóis destruíram estruturas maias para usar suas rochas e erguer um farol. Em 1967, a força do furacão Beulah inclinou o farol, que assim está até hoje e virou símbolo da cidade. Sinal dos tempos.
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