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Terra à vista!

A erupção vulcânica que, de tão incrível, virou patrimônio da humanidade

Felipe van Deursen

19/09/2021 04h00

Westman Islands beach view with Smaeyjar islands in background. Iceland landscape. Vestmannaeyjar

63º18'N, 20º36'O
Surtsey
Vestmannaeyjar, Região Sul, Islândia

Parecia cena de seriado japonês. Uma erupção vulcânica submarina monstruosa, colunas de fumaça, explosões e, de repente, uma ilha surge onde antes não havia nada, bem diante dos nossos olhos.

Aconteceu dia desses. Na semana seguinte ao encerramento das Olimpíadas de Tóquio, o vulcão submarino Fukutoku-Okanoba entrou em erupção. No dia 15 de agosto, a guarda costeira japonesa observou que a explosão formou uma ilha em forma de C.

Pior é que não se trata de caso isolado – afinal "ilha vulcânica" é uma das classificações que aprendemos na aula de geografia. Mas alguns lugares da Terra têm propensão bem maior a ganhar ilhas que brotam assim, de erupções.

O Japão, que fica entre três placas tectônicas, é um exemplo. Só no século 20, o país teve quase tantos eventos do tipo quanto o Brasil sofreu golpes de Estado. Aconteceu em 1904, 1914 e 1986. Todas essas ilhas já submergiram de novo, por causa da erosão.

DORSAL ATLÂNTICA

Surtsey em 1999 (foto: wikicommons)

Outro país com episódios assim é a Islândia.  Lá, uma erupção específica tornou-se especial porque a ilha resultante ainda não afundou de volta.

No dia 14 de novembro de 1963, a tripulação de uma traineira avistou uma coluna de fumaça negra. O capitão achou que fosse um barco em chamas e resolveu investigar. Mas era uma erupção que chegava à superfície.

Ao longo dos dias seguintes, as explosões geraram uma ilha de rochas vulcânicas, formadas no encontro da lava com a água marinha. Normalmente, esse material não dura muito. Marés, tempestades e ventos dão um sumiço nas ilhotas novinhas, como aconteceu no Japão. Mas aquela erupção estava inspirada, e o ritmo de rochas que ela criava superava o da erosão. Ou seja, mais massa emergia do que afundava. Então, dois meses depois, a ilha já tinha mais de 1 km de diâmetro.

O acontecimento logo chamou a atenção da comunidade internacional. Em dezembro, o fotojornalista francês Gérard Géry, ao lado de dois aventureiros conterrâneos, foi o primeiro a pisar no novo território. Eles ficaram pouco tempo, o carro pifou, passaram alguns perrengues em meio à erupção, que ainda estava rolando.

A erupção, em 1963 (foto: wikicommons)

A empreitada rendeu uma matéria na revista Paris Match e um princípio de crise diplomática. É que Géry, em sua reportagem, resolveu fincar a bandeira tricolor de seu país no solo instável da ilha, mesmo estando a meros 33 km da costa islandesa. A Islândia tratou de cortar logo a brincadeirinha – essa antiga e insistente sede imperialista que acomete as potências – e iniciou a exploração científica da área.

No início de 1964, fontes de lava menos explosivas geraram rochas muito mais resistentes à erosão, que cobriram boa parte das pilhas de escórias anteriores. Além disso, a ilha chegou a um tamanho que dificultava a chegada da água ao seu centro, o que aceleraria o processo de erosão. Esse cenário a deixou muito mais estável.

Isso permitiria à ciência assistir a algo impressionante. O nascimento de uma ilha, que não seria mais um "fogo de palha tectônico" como as outras e teria tempo suficiente para ganhar vida, literalmente falando.

Em 1964 as correntes marinhas levaram sementes. Bactérias e fungos logo surgiram. No ano seguinte, a primeira planta vascular, mais sofisticada do que algas e briófitas. Logo elas se multiplicaram, e então chegaram animais invertebrados, depois os pássaros – inclusive o adorável papagaio-do-mar.

Por isso, o governo transformou o local, ainda em 1965, em reserva natural. A erupção acabou só em 1967, e desde então somente poucos cientistas têm acesso à ilha.

Ela ficou importante demais para não ter um nome, então a batizaram de Surtsey. Na mitologia nórdica, Surt é o gigante de fogo que guarda a entrada do Muspelheim, a terra do fogo, um dos nove mundos conectados por Yggdrasil, a grande árvore do universo. No Ragnarök, ele luta contra os Aesir, a turma dos principais deuses do panteão nórdico.

Surtsey é quase tão inacessível quanto Muspelheim. A ilha é proibida para visitação ou qualquer outra atividade, para que os biólogos e outros profissionais possam acompanhar o desenvolvimento dessas formas de vida sem interferência humana.

Nem sempre funcionou. Segundo a revista americana The Monitor, que visitou a ilha, uma turma do arquipélago Vestmannaeyjarr (também chamado, para facilitar, de Westman) plantou batatas em Surtsey. E tem a história de um cidadão que, tempos atrás, resolveu mandar o número dois no chão da ilha. De tão fértil o solo, as sementes de tomate contidas em seu cocô renderam frutos.

Tanto batatas como os tomates do pé-de-bosta foram removidos, para não interferir no desenvolvimento natural das formas de vida. Os cientistas já catalogaram dezenas de espécies de aves e centenas de invertebrados.

Por acreditar que a ilha configura um acontecimento esplêndido para a geologia e a biologia, a Unesco a decretou, em 2008, patrimônio natural da humanidade. Uma ilha com menos de 60 anos de existência, e que só podemos ver a distância.

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Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.