O país que mudou de nome do rei que pegou coronavírus (supostamente)
26º28' S, 31º15' L
Palácio Lozitha
Manzini, Essuatíni
O último rei absolutista da África pegou covid-19. Bem, ninguém sabe ao certo, pois estamos falando de um dos países mais fechados do mundo: Essuatíni, aquele que até 2018 era conhecido como Suazilândia.
Em março, jornalistas do país divulgaram que o rei Mswati III estava internado em estado grave após ter sido infectado pelo coronavírus. Os repórteres foram perseguidos pelo regime, pois falar da saúde do monarca é um tabu.
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Mswati III teria pego covid-19 após um encontro com representantes de Taiwan infectados com o vírus. Os países são bastante próximos: esse pequeno reino da África austral é o último parceiro comercial da ilha asiática na África, após tantas e polpudas investidas da China, inimiga de Taiwan, no continente.
O governo de Essuatíni negou os rumores e, como bom regime lacrado que é, declarou que a saúde do rei estava tinindo. Mas, diferentemente da Coreia do Norte – que, a fim de enterrar as notícias sobre a convalescença de Kim Jong-il, divulgou, no início de maio, fotos de seu líder em uma recente cerimônia – ainda não há notícias de Mswati III em público.
QUE PAÍS É ESSE?
Mswati III comanda a ex-Suazilândia desde 1986, quando sucedeu ao pai e, com apenas 18 anos, se tornou o monarca mais jovem do mundo. Em mais de 30 anos de reinado, Mswati teve lá seus feitos. Em 2005, após três décadas de um regime em que todas as decisões eram tomadas de acordo com o desejo de sua majestade, sem nenhuma base legal, o país ganhou uma nova constituição. Certo, não foi lá uma grande constituição, porque partidos políticos continuaram banidos e o poder real seguiu supremo.
Em 2018, Mswati III lançou as bases para a mudança de nome da nação. "Essuatíni", em suázi (língua oficial do reino, além do inglês), significa o mesmo que "Suazilândia" em português: "terra dos suázis". A mudança também serviria para diminuir a confusão do antigo nome em inglês (Swaziland) com o da Suíça (Switzerland).
Esse território montanhoso, com planaltos cobertos por savanas e pastagens, foi ocupado no século 19 pela nação suázi como um reflexo das crises de violência no sul da África. Entre 1816 e 1828, as incursões de Shaka, o lendário e sanguinário líder dos zulus, causou cerca de 1,5 milhão de mortes e provocou o Mfecane, o "esmagamento", ondas de refugiados que espalharam povos por diversos países.
Em 1903, a Suazilândia tornou-se um protetorado britânico após a vitória do Reino Unido na Guerra dos Bôeres. O conflito foi travado entre ingleses e os colonos de origem holandesa e alemã da região (os bôeres), que haviam fundado as regiões independentes de Transvaal e Estado Livre de Orange, no nordeste da atual África do Sul.
A independência veio em 1968, quando a Suazilândia se tornou uma monarquia constitucional. Durou só cinco anos. Sobhuza II dissolveu o Parlamento em 1973, para em 1978 recriá-lo com um caráter meramente consultivo. Ele morreu em 1982, cedendo o trono ao filho Makhosetive, que foi coroado quatro anos depois como Mswati III. Protestos pela democracia ocorreram no país nos anos 1990, sob influência do fim do apartheid na África do Sul, e também nas primeiras décadas deste século. O governo sempre respondeu com repressão.
O ano de 2018 foi marcado pelas festividades do chamado Duplo Jubileu de Ouro, que comemorou os 50 anos do rei e da independência do país e sacramentou a mudança de nome. Não que tivesse sido uma renomeação gratuita. Na verdade, ela se deu com um certo atraso. Na década de 1960, durante o processo de independência de países africanos, Rodésia do Norte, Rodésia do Sul, Bechuanalândia, Basutolândia e União Sul-Africana abandonaram os nomes coloniais e deram lugar a, respectivamente, Zâmbia, Zimbábue, Botsuana, Lesoto e África do Sul – só para ficar entre os países próximos.
A única figura com poder e influência no reino, além de Mswati III, é a Grande Elefanta, a rainha Ntombi Tfwala, líder espiritual de Essuatíni e mãe do rei. Todos os anos, ela comanda, na Vila Real de Ludzidzini, o Umhlanga, festival com uma enormidade de virgens dançando para o monarca, que pode escolher uma delas para desposar.
O Umhlanga, também chamado de Dança Reed, é um dos grandes eventos do país, um espetáculo difundido como atração turística. Por outro lado, segundo os críticos, ele ajuda a explicar algumas características locais: a poligamia masculina ancestral (Mswati tem 14 esposas, bem menos que seu pai, que teve algo entre 70 e 125 mulheres, que deram à luz mais de 200 filhos), a extrema submissão feminina (é um dos piores países do mundo para ser mulher) e a alta taxa de infectados com o HIV: 27% da população adulta com aids, nenhum país do mundo tem mais.
A profusão de casamentos reais tem a ver com a sucessão, não com o tesão. A ideia é ter mais opções para se escolher o sucessor, explicou Joy Dumsile Ndwandwe, uma pesquisadora da cultura suázi, à revista Piauí.
Cada esposa é cercada de mimos e tem sua própria residência real. Já Mswati III centraliza seus luxos, em uma fortuna estimada em US$ 200 milhões, no Palácio Lozitha, no vale de Ezulwini.
Nas cercanias, crianças de roupas rasgadas, agricultores paupérrimos, desolação. Dentro do palácio, o rei tem até uma sala de ouro. Literalmente.
Mswati III possui jatos, carros de luxo. As empresas da família atuam em diversos setores, muitas vezes não pagam impostos e contribuem para a falta de democracia. O rei é dono de um dos dois jornais do país – por isso falar de sua saúde é tão perigoso para jornalistas.
Só que Essuatíni não é um Kuwait. Não há petróleo, a principal atividade econômica é a cana-de-açúcar. O PIB per capita é de cerca de US$ 4,1 mil, segundo o Banco Mundial (contra US$ 33,9 mil do Kuwait) e o país está entre os 10 mais desiguais do mundo, pouco pior que o Brasil, no índice Gini. Ainda assim, no Duplo Jubileu de Ouro, Essuatíni foi sugado para celebrar a data.
Ministros, empresários, diplomatas, religiosos e a população em geral fizeram fila para cumprimentar o rei e cobri-lo de presentes nas seis horas de cerimônia. A ocasião se repete ano a ano, mas as datas redondas merecem um gás extra de extravagância.
As lembranças iam de galinhas, cabras, porcos e bois até esculturas, passando por artesanatos, panelas (e uma geladeira), além de uma dinheirama em cheques assinados por bancos, igrejas, empreiteiras e supermercados, em um valor estimado em R$ 4,6 milhões – a empresa mais generosa, sem surpresas, foi a holding da família real. O rei também ganhou um Airbus A340 que, todo trabalhado em customizações, foi avaliado em US$ 30 milhões.
Mas o melhor presente veio de mamãe. Mswati III usava um relógio de US$ 1,6 milhão e ornava um traje de 6 quilos estufado de diamantes quando recebeu uma sala de jantar feita de ouro. O cômodo ficou bonito ao lado da suíte com adornos, igualmente de ouro, presenteada por membros veteranos do governo. O palácio de Lozitha, inaugurado em 1978 para os 10 anos de independência do país (a família real, pelo visto, tem uma queda por efemérides) a um custo estimado em mais de R$ 200 milhões, em valores atualizados, ganhou novas formas de surpreender e chocar pela orgia da ostentação, que se somam aos pisos de mármore e às cúpulas azuladas.
Empolgado, Mswati III decretou 2022 como o ano em que Essuatíni se tornaria uma nação de primeiro mundo. Não explicou como.
Mas talvez os planos sejam adiados, pois quase ninguém esperava uma pandemia dessas proporções para 2020. Muito menos uma capaz até mesmo de atingir o próprio rei. Supostamente.
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