Na Romênia, bosque cheio de mistérios é um dos “mais assustadores do mundo"
46º46'N, 23º31'L
Hoia Baciu
Cluj-Napoca, Cluj, Romênia
A primeira menção a Cluj-Napoca data do século 2, quando os romanos conquistaram a antiga terra dos dácios e estabeleceram o assentamento de Napoca. Mas o local só passou a ter uma ocupação ininterrupta a partir da Idade Média, quando sua linha do tempo tornou-se repleta de guerras, saques, invasões, pragas e impérios sucateando-se uns sobre os outros. Marca registrada da Europa Oriental.
Cluj-Napoca integrou o Reino da Hungria no século 10, sofreu com as invasões mongóis no século 13. Depois, turcos e austríacos. No choque entre as potências, surgiu o Principado da Transilvânia, do qual foi capital por mais de 60 anos. No século 20, o rolo compressor de nazistas e soviéticos manteve a sina de domínio e devastação.
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Hoje, em tempos bem mais pacíficos para os Bálcãs (e o mundo), Cluj-Napoca ainda é considerada a capital simbólica da Transilvânia. Só que a cidade não tem o mesmo apelo turístico de Sighişoara, Braşov ou outras atrações dessa região, uma das bases históricas da Romênia moderna.
A cidade tem uma grande população universitária, um centro histórico cheio de torres góticas e um polo tecnológico que já rendeu o apelido "techsylvania". Além de atrair a galerinha da TI, ela também é um reduto para os fãs da paranormalidade.
Tudo graças a um bosque nos seus arredores. Hoia Baciu, alguns sites romenos se apressam em dizer, é a "floresta mais apavorante do mundo". Ela tem apenas 3 km2 (ou quase dois parques do Ibirapuera, em São Paulo). No meio da área, uma clareira oval onde nada cresce.
No verão de 1968, um técnico em construção se preparava para um piquenique com a namorada na clareira. De repente, ele afirmou ter avistado um óvni sobrevoando o local.
Como lembra o jornal inglês The Independent, a diferença entre essa e tantas outras histórias de objetos voadores não identificados é que o sujeito, Emil Barnea, tinha tudo a perder ao afirmar e espalhar tal informação. Isso por causa do país e da época em que ele vivia.
Em 1968, a Romênia integrava o bloco socialista, mesmo que distanciada dos soviéticos, e já era comandada por Nicolae Ceausescu, ditador que só saiu do poder em 1989, quando foi deposto e executado ao lado da esposa. Então, um cidadão sair por aí dizendo que viu um óvni no meio de um bosque em uma das principais cidades do país? Das duas uma: loucura ou conspiração. Na dúvida, Barnea foi acusado das duas coisas, perdeu o emprego e caiu no ostracismo.
Com o fim da Guerra Fria e o aumento do turismo no país (o número de visitantes estrangeiros dobrou desde 1995), a floresta ficou mais famosa. Afinal, pode até haver outros bosques tão ou até mais sinistros, seja no Japão, na Alemanha ou no México, mas quantos ficam na Transilvânia?
Falei das raízes irlandesas do Drácula aqui no blog. Bram Stoker, autor do clássico, era irlandês. Mas, não tem jeito, a primeira associação geográfica que se faz ao personagem, pelo menos no Ocidente, é com a Transilvânia.
A indústria do turismo romena explora isso, de uma forma ou de outra, por mais que exista certa relutância. É que Vlad, o Empalador, o príncipe da Valáquia (outra província histórica do país) que viveu no século 15 e que inspirou Stoker, é um herói nacional.
Se servir como uma medida, em 2006 a televisão do país fez sua versão daquele programa dos 100 maiores romenos de todos os tempos (o mesmo que o SBT trouxe para o Brasil em 2012). Vlad ficou em 12º, um feito para quem viveu há tanto tempo. Por isso, muita gente pode ir para a Transilvânia querendo ver Drácula, o personagem, e acaba vendo Vlad e conhecendo sua saga.
Mas o fato é que, sendo um ou outro, a Transilvânia inspira viagens lúgubres, góticas e quetais. São montanhas, castelos e vilas medievais que emanam esse clima. Uma floresta que atrai gente que busca portais para outra dimensão (sim, tem quem vai por este motivo específico) é a cereja ensanguentada desse bolo.
Bruxas modernas, cosplayers de Idade Média e iogues purificadores de energias malignas também procuram a clareira de Hoia Baciu. São comuns os relatos de quem sente náusea, ansiedade ou tem a impressão de estar sendo observado. A repórter do Independent disse que aparelhos eletrônicos também dão pau – ou pelo menos seus proprietários acham isso.
A forma das árvores, meio espirálicas, como os cabelos de uma medusa gigantesca que foi soterrada e deixou as madeixas ofídicas à mostra, não colabora nem um pouco. Difícil não sentir nada ao estar cercado por elas.
Um repórter de outro jornal inglês, The Guardian, conta que outro fator estranho da floresta é seu silêncio. Pássaros quase não cantam e a luz chega com esforço ao chão, onde cogumelos se espalham. Veem-se poucos humanos, apesar de ser um local de fácil acesso e perto do centro da cidade. Enquanto você aguarda um fenômeno sobrenatural, algo deste mundo – e igualmente assustador – pode acontecer, como um urso-pardo surgir do nada.
A história da região, com séculos de invasões e guerras, já tem material farto para contos de terror, mas as lendas que rondam Hoia Baciu sustentam a fama. Um pastor teria desaparecido com 200 ovelhas. Uma menina de 5 anos teria se perdido e reaparecido anos depois sem se lembrar de nada.
Dizem que mesmo quem não se liga muito nesse tipo de atração pode gostar da floresta. É um belo passeio para se fazer, a pé ou pedalando, antes de se aventurar pela noite de Cluj-Napoca, uma das melhores dos Bálcãs. Até porque, nos dias de hoje, ver uma floresta em pé é para dar um alento, não um susto.
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