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Terra à vista!

Nas bucólicas paisagens do sul da Austrália, um museu dedicado ao cocô

Felipe van Deursen

15/08/2021 04h00

(Crédito: Reprodução/Instagram)

42º44'S, 147º26'L
Pooseum
Richmond, Tasmânia, Austrália

Seu cocô tem história. Se ficar bem preservado, então, poderá contar às pessoas do futuro sua vida em detalhes. Praticamente um diário gerado em suas entranhas.

É difícil sair da quinta série, eu sei. Mas o assunto é relevante. Desde o século 19 cientistas estudam coprólitos – junção dos termos gregos para fezes (kopros) e pedra (litos). Ou seja, cocôs fossilizados, formados, em geral, em ambientes áridos.

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Se bem preservado, o fóssil pode revelar muito sobre um animal. A dieta é o mais óbvio, mas dá para descobrir o ambiente em que vivia, posição na cadeia alimentar, se tinha doenças… Coprólitos contêm cálcio, fosfato e matéria orgânica, e além disso podem ter outros fósseis (tipo ovos de parasitas), traços de microrganismos, pólen, fibras, fragmentos de ossos e proteínas humanas – o que, no caso de um coprólito de outro ser humano, indica canibalismo.

Eles ajudam a reescrever a história do planeta. Há registros que datam de 540 milhões de anos atrás, quando a Terra vivia o Período Cambriano. Ou seja, desde que a vida explodiu no planeta, os dejetos que os primeiros seres vivos deixaram por aí ajudaram a explicar como tudo começou.

Em 2008, cientistas descobriram coprólitos humanos na América do Norte. A análise de DNA do cocô de 14,3 mil anos indicou que aquelas pessoas tinham origem asiática, o que enterrou de vez uma teoria que dizia que os primeiros humanos do continente tivessem vindo da Europa ou da África.

Alguns até viraram peças de museu. No Reino Unido há um coprólito humano tão grande que tem nome. O Lloyd Banks é um tolete de 23 cm, cujo autor alimentava-se de carne e pão e sofria de uma infecção intestinal pesada. Ele está exposto no Centro Viking Jorvik, em York.

Falando em museu, na Austrália existe um dedicado ao assunto. Karin Koch, a idealizadora, conta que se interessou pelo assunto quando soube de uma pequena lagarta que tem o olímpico talento de ejetar suas fezes a uma distância de 1,5 m (o equivalente a um homem ter uma bazuca anal que atinge 70 m de distância).

(Rerpodução/Instagram)

O Pooseum (trocadilho em inglês para "museu do cocô") trata do tema sem tabu e jogando luz às diversas formas como os animais lidam com isso. O fator nojeira+piadas infames que os humanos reservam ao assunto apenas enaltece a riqueza biológica e o arsenal de curiosidades que ele proporciona.

Fezes são um recurso valioso. Podem servir para abrigar ovos, marcar território, achar alimentos e parceiros sexuais. Cocô é brinquedo, é arma, é comida. "Alguns animais iludem seus predadores se camuflando como cocô!", diz Koch em seu site.

Filhotes de coalas comem as fezes da mãe, morcegos são asseados, corujas usam dejetos de outros animais para capturar presas. Esses são os tipos de informações oferecidas aos visitantes, que podem ver de perto os cocozinhos cúbicos dos wombats (marsupial nativo da Austrália), um temível excremento de leão, marcado por restos de pelos e ossos, e até o cocozão fossilizado de um dinossauro.

O museu fica em Richmond, uma agradável cidade da Tasmânia que preserva parte da história da colonização da ilha. Há um casario dos anos 1820, a cadeia mais antiga intacta da Austrália e a igreja católica mais velha ainda de pé no país – ambas da mesma época, décadas de 20 e 30 do século retrasado. Richmond é também a cidade base de uma importante região vinícola australiana, a do Vale de Coal River.

 

(iStock)

(iStock)

Pode ser divertido ir ao museu depois de visitar uma vinícola. Piadas de quinta série descem melhor depois da segunda taça.

Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.