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Terra à vista!

No meio de um dos lugares mais tensos do mundo, fica o Vale do Arco-Íris

Felipe van Deursen

13/12/2020 04h00

(crédito: Reprodução/Instagram)

27º03'N, 56º26'O
Vale do Arco-Íris
Ilha de Hormuz, Hormusgão, Irã

O Estreito de Hormuz, entre o Golfo Pérsico e o Golfo de Omã, no Oriente Médio, apareceu um bocado no noticiário nos tempos pré-pandêmicos. Em 2019, houve uma série de explosões em petroleiros no Golfo de Omã, e os Estados Unidos de Donald Trump acusaram o Irã de ordenar os ataques. O governo iraniano negou e ameaçou bloquear o tráfego marítimo no estreito. Única ligação do Golfo Pérsico com os oceanos, Hormuz tem importância estratégica para a economia global, já que cerca de 20% do petróleo e um terço do gás natural liquefeito consumidos no mundo inteiro passam por ali.

Os dois países eram amiguinhos com muitos interesses em comum até os anos 1970, com direito até a golpe de Estado patrocinado pela CIA. Mas, desde a Revolução Iraniana (1979), ela é complicada. A aproximação nos anos Obama foi uma pequena fase mais branda em décadas de tensão.

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Em 1988, também no Estreito de Hormuz, um avião de passageiros que ia de Teerã a Dubai foi derrubado por um míssil da Marinha americana. No ataque (realizado por engano, segundo a Marinha), os EUA mataram 290 pessoas, sendo 66 crianças.

Com tantas questões geopolíticas em jogo, o estreito acaba sendo desses lugares em que as belezas naturais e históricas ficam em segundo plano. Mais ou menos como a Colômbia nos anos 80, a Croácia e a Bósnia nos 90 ou o Líbano nos 00.

No ponto mais apertado do estreito, apenas 39 km separam o norte, iraniano, do sul, onde ficam Emirados Árabes Unidos e Musandam, um exclave de Omã. A 8 km da costa do Irã fica a Ilha de Hormuz, uma gota cor-de-rosa brilhando no mar azul.

(Crédito: iStock)

À altura do olhar, a ilha e suas praias adquirem tons ocres, avermelhados, resultado dos domos de sal acumulado graças à ausência de chuva no local. O nome vem de Hormuz, um antigo principado que, no século 13, era tributário do Ilcanato, reino mongol comandado por Hulagu, o neto de Gêngis Khan que conquistou boa parte do Oriente Médio. No caminho, ele deixou 800 mil mortos e destruiu uma das cidades mais fascinantes do mundo, Bagdá.

Para evitar entrar na rota de destruição que mirava os muçulmanos, o principado mudou sua sede da costa para a ilha. O calor excruciante e a falta de água potável eram problemas sérios, mas a localização compensava esses perrengues. Hormuz se desenvolveu como um sólido porto da região, enquanto os concorrentes enfrentavam guerras e destruição.

A ilha atraía comerciantes e exploradores. Marco Polo passou por ali, assim como o maior viajante da Idade Média, pelo menos em quilometragem rodada, o marroquino Ibn Battuta.

Em 1507, Afonso de Albuquerque conquistou a ilha e a incorporou ao poderoso Império Português. Os lusitanos ergueram o Forte de Nossa Senhora da Conceição, que hoje é um dos maiores remanescentes do período português do Golfo Pérsico. Hormuz foi bastante útil para o controle das possessões asiáticas de Lisboa, como Goa.

(Crédito: iStock)

Mas a ilha era estratégica demais para ficar muito tempo na mão dos europeus. Em 1552, Piri Reis sitiou Hormuz. O almirante otomano é mais conhecido pelos seus dotes de cartógrafo, já que seu mapa-múndi é um dos primeiros mapas conhecidos a mostrar a América). Em 1622, os portugueses sucumbiram perante uma frota anglo-persa em nome da Companhia Britânica das Índias Orientais.

A ilha entrou em decadência, muitos habitantes foram embora, e quem ficou sobreviveu da pesca e da exportação de sal e de óxido de ferro. No fim do século 20, houve algum avanço e Hormuz começou a atrair visitantes, cativados pelos recifes de coral, manguezais e as paisagens surrealistas do ocre e do sal da terra.

No meio da ilha, o Vale do Arco-Íris, formado por montes de terra e areia em tons de vermelho, roxo, ocre, amarelo e azul, é um cenário de sonho para artistas e geólogos. Segundo o Tehran Times, jornal iraniano publicado em inglês, os próprios cidadãos do país não conhecem direito e não dão valor à ilha. Dada a localização e as belezas naturais mais que privilegiadas, Hormuz parece adormecida, distante do que um dia já foi.

 

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Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.