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Samoa Americana: último lugar a dar adeus a um ano que não deixará saudade

Felipe van Deursen

27/12/2020 04h00

(Crédito: iStock)

14º19'S, 170º49'O
Poloa
Lealataua, Distrito Ocidental, Samoa Americana

Depois que tudo isso passar, os historiadores poderão dividir o mundo entre países cujos governos souberam lidar com a pandemia e aqueles que, na melhor das hipóteses, foram incompetentes ou, na pior, genocidas. Isso já começa a ficar claro no calendário das grandes festas globais. Sim, porque nem todas foram canceladas ou adiadas. O célebre Réveillon de Sydney está confirmado, com as devidas restrições e limitações, que é para evitar muvuca.

Quando você receber no zap o já tradicional "Já é Ano-Novo na Austrália", serão 10h de uma quinta-feira em que todo mundo no Brasil estará na expectativa, contando os minutos, para se livrar desse ano que não deixará saudade, apegando-se à crença de que 2021 será melhor. "Que sorte a dos australianos, já estão em 2021", dirão tiozões e tiazonas no almoço de 31 de dezembro, entre uma colherada e outra de pavê.

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Sorte maior ainda terão samoanos, neozelandeses e kiribatianos – só para manter a lógica geográfica do raciocínio. Kiribati driblou a Linha Internacional da Data nos anos 1990 e, desde então, é o primeiro país a ver o sol do novo ano, como já vimos aqui no "Terra à Vista".

Samoa, Ilha Christmas (território pertencente à Austrália) e algumas ilhas da Nova Zelândia vêm em seguida. Esses lugares são os primeiros a oeste da Linha, então são os primeiros onde o novo dia e o novo ano começam.

Olhemos então para o outro lado da Linha. Quais os desafortunados lugares que ainda estarão no lamentável 2020 quando todo o resto do mundo já estará esperançoso e bêbado em 2021?

As ilhas Baker e Howland, que pertencem aos Estados Unidos, são os pedaços de terra mais próximos a leste da Linha Internacional da Data. Portanto, são os últimos lugares onde o hoje ainda é hoje e não amanhã. Mas elas são desabitadas, então não vale. Logo, o último Réveillon do mundo ocorre no território habitado que vem em seguida: Samoa Americana.

Aqui dá para visualizar direitinho:

SAMOA AMERICANA

(Crédito: iStock)

Povos polinésios habitam o arquipélago há 3 mil anos. Os primeiros europeus a chegarem foram os holandeses, em 1722, mas quem colonizou as ilhas foram missionários britânicos, no século 19.

Em 1899, um tratado dividiu o arquipélago: a Samoa Ocidental ficou para a Alemanha e a Oriental, para os Estados Unidos. A Nova Zelândia, no contexto da Primeira Guerra Mundial, ocupou a Samoa Germânica em 1914 e a transformou em seu protetorado. Em 1962, essas ilhas conquistaram a independência.

Já Samoa Americana tornou-se, em 1922, território não incorporado dos EUA, ou seja, uma área que pertence ao país, mas com Constituição, leis, governo e legislativo próprios. Dos 13 territórios do tipo, o maior, mais famoso e mais populoso é Porto Rico, terra natal de Rosario Dawson, Michelle Rodriguez, Benicio del Toro, e, claro – uepa! –, Ricky Martin.

Para a Fifa, entidade que gosta de reconhecer mais países soberanos do que a ONU, Samoa Americana tem uma seleção de futebol própria, que conseguiu algumas proezas. Em 2001, em jogo valendo pelas Eliminatórias para a saudosa Copa de 2002, Samoa levou uma chinelada da seleção australiana: 31 a 0. Podia ser basquete universitário ou um placar de vereadores votando pelo próprio aumento. Mas foi só a maior goleada da história do futebol, em jogos oficiais entre seleções.

Quatro anos antes, em 1997, Samoa Ocidental retirou a segunda parte de seu nome, virando apenas "Samoa", o que irritou a irmã Samoa Americana. As relações voltaram a se aproximar em 2004.

Então, o que temos hoje é um país soberano, Samoa, e um território dos EUA, Samoa Americana. Pertencem ao mesmo arquipélago, a distância entre as duas capitais é de 122 km em linha reta, mas elas estão separadas pela Linha Internacional da Data. Quando Samoa entrar em 2021, ainda serão 23h de 30 de dezembro de 2020 em Samoa Americana.

(Crédito: iStock)

O ÚLTIMO ANO-NOVO DO MUNDO

O Réveillon de Samoa Americana consiste em festas nas ruas e celebrações nas igrejas. Para os metodistas, é a Noite das Luzes (Po o Moli). Os fiéis montam árvores de até 4,5 m e as decoram com doces, biscoitos, colares de flores, tecidos e até comida enlatada, batata frita, saimin (uma sopa havaiana) ou simplesmente dinheiro.

A celebração acaba após a virada do ano, e então a árvore é desmontada e seus enfeites são distribuídos entre a comunidade. Primeiro os mais velhos da paróquia, depois o resto.

  • Por volta de 18h, a vila de Poloa é disputada pela vista para o último pôr do sol do ano em todo o mundo. Depois, bares, casas noturnas e restaurantes organizam festas para o show da virada, mas sem muita esbórnia. A venda de álcool é proibida após as 2h e lojas de bebidas param de vender às 22h.

Tem quem dá o seu jeito para beber, da mesma forma que a turma do rojão. Samoa Americana proíbe fogos de artifício com barulhos, mas ainda assim é comum ouvi-los, segundo o site Samoa News. O estouro dos rojões se mistura ao de bombas caseiras e ao do tradicional e ilegal faga'ofe, feito originalmente de bambu.

Há versões mais modernas, como esta aqui (cuidado com os ouvidos):

Para encerrar com um dos memes do ano: que vontade de mandar um faga'ofe pra 2020, né, minha filha?

 

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Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.