Topo

Terra à vista!

O lago rosa cravado entre o verde da floresta e o azul do mar da Austrália

Felipe van Deursen

12/07/2020 04h00

Lago Hillier, no sudoeste da Austrália (foto: wikicommons)

 

34º05'S, 123º12'L
Lago Hillier
Arquipélago de Recherche, Austrália Ocidental, Austrália

A Dunaniella salina é uma microalga encontrada em ambientes altamente salinos. Na indústria da biotecnologia, ela é usada na produção de suplementos alimentares. Isso porque o microrganismo abunda de betacaroteno, que é antioxidante e precursor de vitamina A. Além disso, o betacaroteno é famoso, antes de tudo, pela cor berrante.

Quando não está (supostamente) encalacrado no rosto de Donald Trump, o betacaroteno pode realizar alguns espetáculos na natureza. Em ambientes dominados pela D. salina, a água adquire cores que variam do psicodélico ao infernal, passando pelo extraterrestre. Algo que dificilmente alguém gostaria – ou conseguiria – obter em uma sessão de bronzeamento artificial.

Veja também

É o caso do Lago Hillier, na Ilha do Meio, a maior do arquipélago de Recherche, em Goldfields-Esperance, no sudoeste da Austrália. Pequeno, com apenas cerca de 600 m de comprimento e 250 m de largura, ele é cercado por uma faixa de areia e um bosque de eucaliptos e melaleucas. A única forma de vida no interior do lago são microrganismos halófilos (que vivem em ambientes altamente salinos): a D. salina e, também, bactérias que curtem um sal, como Salinibacter ruber e Dechloromonas aromatica.

Ver essa foto no Instagram

 

Isolation at its best, if anyone needs me I'll be here ☀️ #ourwahome @bankwest

Uma publicação compartilhada por Mitchell Clarke || Australia (@mkz.imagery) em

Tais criaturas propiciam a coloração de chiclete gosmento do lago visto do alto. Quando se está na margem, o tom do rosa é bem menos intenso, mas ainda impressionante.

Por cima, anos 1980. Por baixo, anos 1880.


Existem outros lagos com tais tons no planeta, e boa parte fica na Austrália. Mas Hillier se destaca por estar cercado de verde e por ficar próximo às belas praias de Recherche.

A humanidade conhece a região há cerca de 13 mil anos, ainda na época geológica do Pleistoceno, quando o nível da água era mais baixo e as ilhas eram uma extensão do continente australiano. Arqueólogos encontraram no arquipélago lâminas de pedra, armadilhas para lagartos e cabeças de machado, entre outros itens.

Os europeus chegaram às ilhas pela primeira vez em 1627, durante a expedição do holandês François Thijssen pela costa sul australiana. Em 1792, os franceses passaram por ali à procura de um navegador desaparecido. O nobre Jean-François de la Pérouse, um dos maiores exploradores do Pacífico, cruzou todo o grande oceano, esteve no Alasca, em Macau, na Ilha de Páscoa e em Kamchatka. Até que sua expedição desapareceu ao sair da Austrália, em 1788, causando grande comoção. O mistério rondou a cabeça de Luís 16 até os últimos momentos em que ela permanecia sobre o pescoço do rei. Pouco antes de ser executado, ele teria perguntado: "alguma notícia de La Pérouse?".

Passariam-se 38 anos até que o naufrágio começasse a ser desvendado (a última expedição em busca de mais evidências foi só em 2008). Mas foi naquela de 1792 que os franceses batizaram o arquipélago inspirados em sua missão: Recherche.

O primeiro relato por escrito do lago foi, provavelmente, feito em 1802 por Matthew Flinders, navegador britânico que entrou para a história por ter circunavegado a Nova Holanda e ter dado a ela um novo nome, Austrália. Ao subir o pico que hoje leva seu nome, Flinders registrou:

"O monte em que eu estava era a parte mais alta de uma cadeia (…). As outras partes da ilha são baixas e densamente cobertas com mato e algumas árvores, onde uma pequena espécie de canguru parece ser numerosa, embora nenhuma tenha sido capturada. Na parte nordeste, havia um pequeno lago de cor rosa, cuja água, como fui informado pelo sr. Thistle, que o visitou, estava tão saturada de sal que havia quantidades cristalizadas suficientes perto das margens para carregar um navio. A amostra que ele trouxe a bordo era de boa qualidade e não exigia outro processo além da secagem para ser adequada ao uso."

A quantidade de sal no lago chamou a atenção de empreendedores do final do século 19. Mas a exploração fracassou devido à, entre outros motivos e diferentemente do que observou Flinders, toxicidade do sal.

Ver essa foto no Instagram

 

Did you know Australia has a pink lake?? #LowDohLivin #Traveling #Vacation #Explore #TravelOnABudget #TravelPhotography #Views #Australia #LakeHillier

Uma publicação compartilhada por Doh (@lowdohlivin) em

Ficou curiosinho? Pois saiba que nadar no lago é seguro, embora não seja recomendável. Além disso, é preciso uma autorização do departamento de conservação ambiental da Austrália Ocidental. Para chegar ao lago, há voos panorâmicos (a melhor maneira de se admirar a paisagem surreal) a partir de Esperance, pequena cidade com belas praias de areia branca e frequentadas por cangurus.

Em junho, o diminuto clube dos lagos rosas ganhou mais um integrante. Um lago de mais de 50 mil anos na Índia de repente mudou de cor. Mas isso já é assunto para outro post.

Índice de posts do blog Terra à Vista:

Sobre o autor

Felipe van Deursen é jornalista de história. Autor do livro 3 Mil Anos de Guerra (Ed. Abril), foi editor da Superinteressante e da Mundo Estranho e colunista da Cosmopolitan. Gosta de batata, de estudar e de viajar.

Sobre o blog

Os lugares mais curiosos e surpreendentes do mundo e a história (nem sempre tão bela nem tão ensolarada) que cada um deles guarda. Um blog para quem gosta de saber onde está pisando.